Delírios governamentais

porMiguel Martins

21 de março 2025 - 16:58
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Tudo isto leva a que se levante uma questão - o primeiro-ministro está ao serviço destes casinos ou do país? Uma dúvida assim é absolutamente inaceitável.

O universo político em Portugal foi assolado, durante os últimos dias, por um caso repugnante que põe em causa as instituições e, principalmente, a posição do primeiro-ministro. No que configura um caso inédito no país, a promiscuidade entre o poder político e os interesses económicos é exposta, pondo em causa a idoneidade de Luís Montenegro e, consequentemente, do Governo que lidera.

Foi revelado que o atual primeiro-ministro trabalhou para o grupo de casinos Solverde entre 2018 e 2022, ano em que assumiu a Presidência do PSD. Após isto, vendeu a sua parte da empresa, a Spinumviva, à mulher e a ligação entre a Solverde e a empresa de Luís Montenegro mantém-se até hoje. Por "serviços especializados", a empresa familiar do primeiro-ministro recebe, mensalmente, 4500€. Tudo isto leva a que se levante uma questão - o primeiro-ministro está ao serviço destes casinos ou do país? Uma dúvida assim é absolutamente inaceitável.

Entretanto, e face à gravidade da situação, Luís Montenegro fez uma comunicação ao país onde, supostamente, iria prestar esclarecimentos. Como se veio a verificar, tratou-se de um ato teatral, premeditado e onde o primeiro-ministro, ao invés de dar respostas, apenas se vitimizou, no que representa o cúmulo do ridículo. Além disso, taticamente, Luís Montenegro insinuou que poderia apresentar uma moção de confiança, para ser discutida na Assembleia da República, como já irei discutir. Mais a mais, ao invés de apresentar esclarecimentos, o PM procurou “chutar” todas as responsabilidades para a Assembleia da República, como se estivesse nas mãos do Parlamento aferir se o Governo tem, ou não, condições para continuar em funções.

Em reação, e como seria natural, os partidos pronunciaram-se sobre a declaração do primeiro-ministro. Entre condenações e exigência de mais e verdadeiros esclarecimentos, por parte dos líderes partidários, o PCP anunciou uma moção de censura. No entanto, por mais importante que seja censurar o Governo, infelizmente, tal moção não será aprovada. O PS nunca iria votar a favor numa moção de censura, pois ficaria com o ónus de levar o país a eleições. Com a censura praticamente chumbada, o PSD (e o Governo) podem afirmar, tranquilamente, que têm o respaldo da Assembleia da República face a este caso. E assim se resolveu, rapidamente, uma crise política desastrosa.

Ainda assim, as dúvidas pairam e as circunstâncias são de tal forma graves e nebulosas que o caso não pode ficar por aqui. Luís Montenegro, ao invés de se preocupar com jogos políticos, tem a obrigação de dar uma resposta cabal a todas as questões ou, em alternativa, de apresentar a moção de confiança que lançou. A moção de censura do PCP, mesmo que seja rejeitada, não isenta o primeiro-ministro de prestar esclarecimentos, nem de apresentar a moção. Pelo meio, não deixo de questionar o silêncio inquietante do Presidente da República. Será que por ser seu colega de partido, Marcelo Rebelo de Sousa não quer exigir responsabilidades ao primeiro-ministro?

Por fim, não posso deixar de levantar algumas questões que continuam sem resposta: quem são os clientes não regulares da empresa familiar? Quais os montantes dos serviços que prestou? Que tipos de serviços prestou? Que recursos (trabalhadores da empresa ou entidades subcontratadas) foram mobilizados? Luís Montenegro tem o dever e a obrigação, enquanto primeiro-ministro, de se responsabilizar pelos seus atos e esclarecer o país.

Artigo publicado no jornal Barcelos Popular a 6 de março de 2025

Sobre o/a autor(a)

Miguel Martins

Sociólogo. Mestrando em Geografia na Universidade do Minho. Deputado municipal do Bloco de Esquerda em Barcelos
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