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Deixem a economia crescer!

Se a economia é incapaz de crescer, não haverá austeridade que nos salve do endividamento, visto que os juros e a dívida aumentam a uma taxa maior que a nossa capacidade de gerar riqueza.

Uma recessão económica, como a que vivemos, corresponde a uma diminuição prolongada do PIB. Diz-nos a lógica, então, que para sair da crise (ou da recessão) é necessário que o PIB cresça1. E até aqui parece haver relativo consenso2.

Saber exactamente o que fazer para obter o tão desejado crescimento torna-se matéria mais complexa, mas um olhar atento à composição do PIB fornece algumas pistas úteis.

Seja qual for o país, o seu Produto Interno Bruto corresponde à soma do consumo interno, dos gastos do Estado, do investimento e das exportações. Ao resultado desta soma teremos que subtrair as importações, visto que representam despesa nacional em bens e serviços produzidos fora.

Se decompusermos o PIB português segundo este critério, este será o desenho final:

A simples análise do gráfico3 acima suscita, pelo menos, três observações:

1. A maior parte do PIB, de longe, corresponde ao consumo;

2. Os gastos do Estado contribuem positivamente para o PIB;

3. As exportações são menores que as importações e correspondem a uma pequena parte do PIB.

Podemos agora tirar algumas conclusões simples sobre o que fazer, ou o que não fazer, se queremos que a economia cresça para “fora” da recessão.

Em primeiro lugar, estimular o consumo. Esta será a forma mais rápida e eficaz de aumentar o PIB, visto que estamos a falar da sua maior componente. Há várias formas de o fazer, sendo que as mais directas passam pela manutenção dos níveis salariais dos trabalhadores, pela diminuição do número de desempregados e também pelo aumento das prestações sociais, de forma a manter o poder de compra das camadas mais pobre da população.

Em segundo lugar, e caso o investimento e o consumo privados estejam em queda, os gastos do Estado4 são uma das variáveis disponíveis, e mais eficazes, para estimular o PIB. Eficaz porque cada euro de despesa pública, pelos efeitos laterais que provoca no consumo e no investimento privado, provoca um aumento de mais de um euro no produto interno.

Em terceiro lugar, concluímos que as exportações são importantes para o crescimento do PIB mas que não serão, no curto prazo, a solução milagrosa para o problema. A diferença de proporção entre consumo e investimento, por um lado, e exportações por outro, faz com que fosse necessário um aumento brutal no valor das exportações para conseguir contrariar e compensar a redução nas outra componentes do PIB. Acresce ainda que as exportações não são tão facilmente “manipuláveis” como os gastos do Estado ou o consumo, por exemplo, uma vez que dependem de factores de longo prazo – como a nossa estrutura produtiva - e de factores que não controlamos – como as condições da economia europeia, ou mundial.

Perante isto, não existe teoria ou argumento que nos permitam compreender estes programas de austeridade e, mais recentemente, a decisão do novo Governo PSD/CDS de retirar metade do subsídio de natal à maioria dos trabalhadores.

Perante um cenário de drástica contracção do PIB, a decisão do Governo é cortar o investimento do Estado, acabar com o consumo e desincentivar o investimento privado. Mesmo que estejam a crescer, não há exportações que nos salvem de uma política tão despudoradamente recessiva.

E se a economia é incapaz de crescer, não haverá austeridade que nos salve do endividamento, visto que os juros e a dívida aumentam a uma taxa maior que a nossa capacidade de gerar riqueza.


1 O mesmo argumento se aplica caso a economia se encontre em estagnação, ou varie entre períodos de estagnação e contração do PIB.

2 A discussão centra-se em torno do PIB, tal como definido hoje na contabilidade nacional. A utilização do PIB enquanto medida do crescimento das economias é altamente questionável e controversa, não sendo, no entanto, o tema deste artigo.

3 As importações devem subtrair às restantes componentes. Encontram-se a somar neste gráfico para que possa ser de mais fácil leitura.

4 Para que possam contribuir para o crescimento, os gastos do Estado devem ser “produtivos”, já que nem todos os gastos têm efeitos positivos na economia – como os gastos militares ou as injeções de capitais na banca privada.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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