1. O Governo da República, liderado pelo antigo braço direito de Passos Coelho — cujo legado de austeridade ainda pesa na memória coletiva — começa finalmente a revelar a sua verdadeira agenda, cuidadosamente disfarçada durante a campanha eleitoral. As alterações ao Código do Trabalho, aplaudidas pelo patronato, não deixam margem para dúvidas: querem facilitar despedimentos, aumentar horários de trabalho, e “flexibilizar” os vínculos laborais” — leia-se, precarizar ainda mais a vida de quem vive do seu trabalho. Tudo isto em nome da sacrossanta competitividade e da manutenção dos lucros obscenos das grandes empresas, enquanto a maioria dos trabalhadores continua refém de condições degradantes, próximas da escravatura moderna. A ofensiva não conhece limites: nem sequer o direito à amamentação está a salvo, pois pretende-se reduzir o tempo dedicado pelas mães a esse ato essencial de cuidado. Ainda mais chocante é a proposta de extinguir o direito ao luto gestacional, negando dignidade e tempo de recuperação a mulheres que sofrem abortos espontâneos ou interrupções voluntárias da gravidez. Foi nisto que votou a maioria dos portugueses — muitos, sem plena consciência do que aí vinha. Cabe-nos a nós, os que recusam esta nova vaga de violência social, voltar à rua, erguer a voz e fazer frente a este retrocesso civilizacional.
2. Por cá, neste ‘cantinho do céu’, a crise da habitação continua a esmagar largas centenas de famílias, sem que se vislumbre uma resposta estrutural por parte do governo regional. Os preços de compra e arrendamento continuam a subir de forma obscena, empurrando pessoas para a beira do despejo, da sobrelotação habitacional e até da rua. O turismo, convertido em vaca sagrada da economia regional, serve de justificação para o crescimento descontrolado do alojamento local, que se estende até a prédios construídos com apoios públicos ou benefícios fiscais — um escândalo ético que ninguém parece querer travar. Enquanto em várias capitais europeias se avança com medidas de regulação, como limites ao valor das rendas e restrições ao alojamento turístico, aqui prefere-se assobiar para o lado, como se a realidade pudesse ser ignorada. Mas os números não mentem: se nada for feito, não tardará a termos tendas e barracas a crescer nas encostas da Madeira. E pergunto: é esta a celebração que queremos para o 50.º aniversário da Autonomia? Se esta Madeira é o “projeto vencedor”, então alguém se enganou profundamente na escolha dos caminhos — ou na leitura do voto popular.
3. Em Gaza, a catástrofe humanitária atinge proporções indescritíveis. Com o pretexto de eliminar o Hamas, o governo de extrema-direita de Netanyahu — ele próprio alvo de um mandado de captura internacional por crimes de guerra — tem levado a cabo uma campanha de extermínio que já tirou a vida a milhares de crianças, idosos e civis inocentes, condenados à fome, à sede e à destruição. Gaza transformou-se num campo de extermínio a céu aberto. A História, que deveria servir de lição, está a ser violentamente ignorada: o sofrimento de hoje não pode ser justificado pelo sofrimento de ontem. Comparações com o Holocausto são dolorosas, mas inevitáveis, porque o horror da desumanização repete-se, mesmo sob outras bandeiras. É urgente parar o genocídio. É urgente parar o massacre. As crianças e os civis de Gaza não são escudos humanos nem terroristas — são seres humanos. E é também urgente que a comunidade internacional — incluindo Portugal — abandone a sua tibieza cúmplice e assuma uma posição firme. Que o povo de Israel, que já se ergueu contra o seu governo, consiga pôr fim a esta barbárie, abrindo caminho a uma paz justa e duradoura. Porque a paz só pode existir onde há justiça — e justiça, hoje, significa o fim da ocupação.
