Está aqui

Cultura - argumentos e legitimação I

As políticas culturais dos estados modernos no ocidente recorreram a argumentos económicos para legitimarem o Estado como interveniente.

As políticas culturais dos estados modernos no ocidente surgem integradas no estado-providência do pós-guerra, com diferenças óbvias entre os modelos norte-americano e europeu. Mas ambas recorreram a argumentos económicos para legitimarem o Estado como interveniente.

Importa relembrar quatro grandes argumentos.

Uma das particularidades económicas das artes performativas, o núcleo central das práticas artísticas, é serem constituídas maioritariamente por capital humano. Isto significa que não é possível criar ganhos de produtividade semelhantes aos sectores mais dinâmicos da economia, ou seja, os sectores que definem o valor do salário e que criam vantagens competitivas de valor acrescentado recorrendo a novos meios técnicos ou tecnológicos. Essa possibilidade não existe, ou é limitada, para uma companhia de teatro, e é igualmente inviável diminuir o factor trabalho ou aumentar a produção por hora de trabalho. Desta forma a expansão permanente dos salários que os sectores mais dinâmicos provocam cria um fosso crescente e eventualmente intransponível para o sector cultural, sendo por isso defensável a intervenção do Estado como regulador.

Em segundo lugar o valor que o mercado atribui a uma obra de arte é por regra insuficiente pois não considera factores não monetarizáveis que constituem parte do valor intrínseco da obra (merit goods). As virtudes sociais ou pessoais, de valorização de afectos, como o prazer, são necessariamente parte do trabalho artístico. Deste ponto de vista é defensável que o Estado seja garante do acesso à criação artística.

Em terceiro lugar o princípio de bem público, pelo qual se entende a utilidade que um indivíduo retira de um bem não diminui a utilidade que outros indivíduos retiram desse mesmo bem, é aplicável a bens culturais, logo compete ao Estado como representante público desenvolver mecanismos que assegurem a difusão o mais alargada possível destes bens e serviços.

Por último as externalidades positivas que a oferta cultural provoca, seja a dinamização económica através de turismo cultural mas também através de ‘focalização de localização imaterial’ (Eduardo Brito Henriques, 2002), um processo cujos benefícios extravasam para a comunidade. Desta forma é defensável que o ónus financeiro da sua manutenção não seja imputado a um único agente económico mas sim ao Estado.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na FLUL, Investigador do Centro de Estudos de Teatro/Museu Nacional do Teatro e da Dança /ARTHE, bolseiro da FCT
(...)