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Cuidado com as contas apressadas

Percebo a tentação de projetar os resultados das europeias numa contagem hipotética de deputados nas legislativas. É interessante, desde que se saiba que é uma fábula.

Percebo a tentação de projetar os resultados das europeias numa contagem hipotética de deputados nas legislativas. Vários jornais fizeram o exercício, entre os quais este em que escrevo. É interessante, desde que se saiba que é uma fábula. O efeito alimenta todas as especulações: o PS, o Bloco de Esquerda e o PAN com mais deputados, o PCP com menos dois, o PSD em queda abismal, o CDS reduzido a metade, três dos pequenos partidos com um deputado cada. E, a partir daí, o passo seguinte é simular as configurações políticas que resultam desta projeção e, como se sabe, a imaginação não tem limites. Só que é tudo especulação.

“A lógica do voto nas europeias é muito diferente da lógica nas legislativas”, avisa Pedro Magalhães. Pois é. Nas legislativas votam mais eleitores, incluindo de setores sociais, regionais e etários menos representados nas europeias; o efeito favorável ao partido de Governo pode ser maior, a não haver nenhuma surpresa nas vésperas; o cálculo do efeito do voto em círculos regionais, e já não no círculo nacional, pode condicionar algumas escolhas e fazer desaparecer pequenos partidos. Por isso, deve-se tratar este exercício de simulação com alguma cautela.

Para quem lê esta página e se pergunta se estes exercícios de projeção não serão fumo com fogo, sugiro então dois exercícios de memória. O primeiro é fazer para a realidade (passada) o que nos sugerem agora para a imaginação (futura). Pegue nos resultados das eleições europeias de 2014 e calcule os deputados que assim seriam obtidos nas legislativas seguintes, comparando-os depois com os resultados reais de 2015. Se fizéssemos o que hoje está a ser feito com os dados das europeias de 2014, projetando-os para as legislativas, o PS ganharia (31,5%) e a coligação PSD-CDS perderia (28%), o PCP arrasaria (13%) e o MPT também (7%), o Bloco cairia (4,5%) e o Livre elegeria dois deputados (2,2%). Ora, não foi nada disto que se passou nas legislativas. O PS ficou pelo mesmo resultado, a coligação das direitas teve mais 10%, o MPT reduziu-se para 0,4% e o Livre para 0,7%, o Bloco subiu para 10,2% e o PCP ficou em 8,3%. Está a ver a diferença? Quem tivesse feito o seu prognóstico para as legislativas na base dos resultados das europeias ter-se-ia enganado num total de 29% dos votos. Seria um engano colossal. Se está tentado a fazer o mesmo, lembre-se do que a realidade ensina.

Um segundo exercício reforça esta nota de precaução quanto ao projecionismo. Imagine agora que o exercício que está a ser feito dos resultados das europeias para as legislativas tinha sido feito das autárquicas para as legislativas, ou para as europeias. O PCP, com 9,5% do total nacional e com 489 mil votos nas autárquicas, um notável resultado que é mais do dobro do que teve nestas europeias, cresceria substancialmente nesta projeção. Porque é que isso não foi simulado? Porque se sabe que são eleições diferentes que exprimem realidades diferentes. Essa cautela é razoável. Mais valia que fosse aplicada agora, para que os autores das projeções não tenham muitos desgostos se porventura no dia 6 de outubro à noite alguém se lembrar destas páginas que agora foram escritas. Em todo o caso, que a prudência dos prudentes não se deixe enlevar pela magia de números que são imaginários.

Artigo publicado em expresso.pt a 27 de maio de 2019

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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