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A crise dos bancos

Os bancos (e outras espécies de bancos travestidos) foram em grande parte os responsáveis pela crise que atravessamos.

Há quem se esforce por esquecer, mas os bancos (e outras espécies de bancos travestidos) foram em grande parte os responsáveis pela crise que atravessamos. Os capitais públicos injectados para evitar a sucessão de falências no sistema financeiro justificaram depois o início dos problemas com as dívidas soberanas.

Em Portugal, tal como explica o Nuno Teles, podemos atribuir à banca o excessivo endividamento externo. Quer isto dizer que os bancos pediram emprestado ao exterior para emprestar dentro de fronteiras. Por si só esta prática não é errada – a intermediação de fundos é a mais importante função do sistema bancário – mas a forma como os bancos dirigem a sua política de crédito pode condicionar o padrão de especialização de uma economia. No nosso caso, os bancos favoreceram o sector dos bens não-transaccionáveis: imobiliário, telecomunicações, sector financeiro e muitas parceiras público-privado. O facto de privilegiarem sucessivamente grandes empresas a operar em sectores “não exportáveis” (vejam os casos da electricidade ou telecomunicações), lucrativos monopólios naturais privatizados, em detrimento de outras áreas (agrícola e industrial, por exemplo), provocou um enviesamento na estrutura produtiva da economia. Outros factores contribuíram também para isso, como algumas das políticas industriais e agrícolas impostas pela União Europeia.

Neste contexto,é preciso rever os argumentos que justificam a contínua injecção de dinheiros públicos no sistema bancário.

É um facto que, para funcionar correctamente, uma economia precisa de um sistema bancário eficiente. Teoricamente, e como bem disse o anterior ministro das Finanças, o sistema bancário desempenha funções que assumem um carácter de bem/serviço público: 1) transformam recursos de curto prazo em empréstimos de logo prazo; 2) criam moeda na economia através da concessão de crédito; 3) financiam a actividade económica e 4) ajudam a proteger e gerir o risco de certos investimentos.

Por outro lado, o impactodas crises financeiras na economia e na vida das populações, leva a que a existência de um sistema bancário “saudável” e responsável seja matéria com características de bem público.

É também um facto que a banca privada em Portugal, e não só, tem sido incapaz de desempenhar da melhor forma as funções que sustentam a sua existência e, sobretudo, que justificam a protecção que o Estado lhe confere. Para além da sua parte de responsabilidade na crise e nos atrasos estruturais do país, a banca privada portuguesa contribuiu para agravar os problemas na economia, ao restringir o crédito com a crise financeira. A Caixa Geral de Depósitos, o banco público, foi o único banco que aumentou o financiamento à economia nos últimos anos.

Não quer isto dizer que se possa simplesmente deixar os bancos falir – os riscos sistémicos associados à sua falência persistem – mas devemos certamente repensar o papel do Estado no sistema financeiro, a começar pelo destino dos milhões consignados no empréstimo da troika à recapitalização da banca em Portugal.

O formato destas operações de recapitalização dos bancos ainda não está definido. A hipótese de injecções de capital em troca da participação do Estado nos Conselhos de Administração dos bancos privados (e na distribuição de dividendos ou na decisão de a suspender) não agrada aos accionistas, o que já os levou a rejeitar a necessidade destes fundos. Propõem, em alternativa, que se utilizem os avales e capitais previstos pela troika para pagar dívidas do Estado à banca. Não nos enganemos em relação a esta proposta – a não ser que as dívidas estejam de facto vencidas e o Estado em incumprimento, não faz qualquer sentido o Estado amortizar empréstimos antecipadamente apenas para beneficiar a banca privada, sem qualquer contrapartida.

Caso se venha a verificar a participação do Estado, não devemos exigir menos do que, para além da participação na gestão e nos lucros, a garantia dos empréstimos e capitais públicos injectados em caso de falência do banco. Tal como ficou provado no BPN, não faz sentido nacionalizar o prejuízo de um banco, deixando de fora todo o património do grupo que o controla (SLN).

Mas existe ainda uma hipótese alternativa, que passa pela utilização dos 12 mil milhões para a criação de um banco público de investimento, a operar no universo da Caixa Geral de Depósitos, que financie a baixo custo projectos, públicos e privados, com interesse estratégico para o país. As vantagens deste modelo são óbvias, a começar pela óptica do emprego.

Assimcomo, ao tomar as suas decisões de gestão, um banco individual leva em consideração a sua situação financeira mas não “internaliza” as consequências da sua falência individual para a economia como um todo, os bancos privados muitas vezes recusam crédito a projectos que, apesar de não serem muito lucrativos, têm no seu conjunto uma importância estratégica para a economia nacional. A existência de um forte banco público, virado para o desenvolvimento de áreas estratégicas da economia, poderia enfrentar este problema e garantir o financiamento da actividade económica.

Em qualquer uma das opções o que se propõe não é a nacionalização de todo o sistema bancário. Muito pelo contrário, o presente desafio é impedir mais nacionalizações de prejuízos privados. Para tal, podemos começar por travar novas transferências de recursos públicos para o sector financeiro privado, até agora estéreis em termos de benefícios públicos.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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