Está aqui

Costa e Marcelo entram num T0

O acelerador da política pode agora começar a ser pisado e a velocidade aumentará pelo poder do desgaste. Nunca Marcelo vetou tão antecipadamente uma legislação, nunca Costa se opôs tão veemente a um pré-veto.

O chiste sobre a entrada num bar de personagens que se distinguem pela diferença é a típica ante-sala de uma piada feita. Um português e um espanhol, um homem e uma mulher, um pobre e um rico, um gordo e um magro, tudo estereótipos que vão desafiando o "politicamente correcto" num jogo de binómios e oposições fáceis, imediatas e tantas vezes gratuitas, em nome de uma dose de humor predestinado a uma conclusão mais ou menos óbvia, a que é lançada pelo antagonismo. Quando António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito do programa "Mais Habitação" do Governo, entram num T0 bem pequeno para um "flirt", percebe-se bem como não há nenhuma reforma estrutural que alargue a já notória falta de espaço para coabitação que primeiro-ministro (PM) e presidente da República (PR) ainda vão fingindo ter.

Marcelo não dissolverá o Parlamento enquanto (e se) não encontrar as condições políticas na oposição à direita do PS para erguer uma alternativa clara e vencedora a António Costa. E Costa não comprará uma guerra com Marcelo enquanto não perceber, como entendeu nas últimas eleições antecipadas, que pode ser ele o verdadeiro terrorista. Ainda que longa se torne a espera, é mais do que claro que a falta de paciência de ambos é o denominador comum que acompanha uma simples questão de tempo. O acelerador da política pode agora começar a ser pisado e a velocidade aumentará pelo poder do desgaste. Nunca Marcelo vetou tão antecipadamente uma legislação, nunca Costa se opôs tão veemente a um pré-veto.

As críticas têm subido de tom e, onde antes havia dúvidas, agora encontram-se certezas. A imagem da "lei-cartaz" que o PR utilizou para classificar a maior reforma estrutural do PM como um mero acto de propaganda política e sabotagem ideológica da "res publica" é um claro manifesto de comunicação de guerrilha. Tem a enorme vantagem de trazer os campos ideológicos para a batalha e de adensar o acinte. O ar que ainda não é irrespirável é mera circunstância que o reaparecimento de Pedro Passos Coelho e Cavaco Silva antecipa. Os "notáveis" do PSD aparecem para salvar o partido de si mesmo e Marcelo não pode mais ignorar que tem de lhes alargar o espaço. Como qualquer português que pretende comprar ou arrendar uma habitação e não consegue, Marcelo continua a olhar para Montenegro, porventura com injustiça mas sem mágoa, como um mero residente temporário em alojamento local.

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 24 de março de 2023

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
(...)