Conversas de escárnio e mal dizer sob a luz do "Sol"

porLuís Farinha

16 de março 2021 - 22:10
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A propósito de mais um esclarecimento (com ciência em barda) da historiadora Maria de Fátima Bonifácio à edição nº 759 do “Nascer do Sol” do azarento dia 13 de março do corrente ano.

PARA GENTE IGNARA E FOLGAZÃ BASTA UMA “BÍBLIA”

Comecemos por render preito e homenagem, porque não é todos os dias que podemos ter alguém a considerar-se (por exclusão de partes?) “a historiadora do séc. XIX”, num autêntico combate de “galos” com um homem que com ela descia ao Gambrinus para, no mais fino sentimentalismo humanitarista, lhe confidenciar que o seu maior defeito era ser “mentiroso”. De Vasco Pulido Valente se trata, esse homem superiormente inteligente que, ajoujado pelo drama do “quem paga e donde vem a côdea”, se mostrou sempre incapaz de evitar a “dispersão” com que de forma diletante desperdiçou talentos e virtudes impeditivas da corrida à altura da concorrência (escusada!) com a primeira historiadora do séc. XIX. Para gente ignara e folgazã, tanto melhor. Abre-se a “Bíblia” e ignoram-se todos os outros e outras: para quê ler Fernando Catroga, esse filósofo-historiador sempre indisposto com a sotaina do senhor prior? E Gomes Canotilho, e Isabel Vargues, e Miriam Halpern Pereira, e Maria de Fátima Sá, e Alexandra Lousada, e Paulo Fernandes, e Maria Filomena Mónica...e tantos outras e outros? Isto para não falar desse já esquecido Manuel Villaverde Cabral, “corrompido” pelas doutrinas estrangeiradas e insanas dos internacionalistas?

São mesmo homens e mulheres com pouco rasgo, incapazes de verem ao longe o que a historiadora lê com a clareza de um “Sol radiante”. Em Portugal não há partidos “suficientemente independentes e fortes para serem capazes de levar reformas profundas por diante”. E a Constituição socialista? Como historiadora do séc. XIX só há pouco tempo se deu conta, na preparação de uma Conferência, como era um texto “intragável” e “disparatadíssimo”. Para mais a falar de um país a caminho do socialismo…

LIBERDADE, PALAVRA VÃ

Houvesse ele mais “liberdade”… Houvesse ele um crescimento de 4% ao ano e já há muito se teria apagado o PCP, “o maior inimigo da liberdade individual e coletiva”. Um partido que é contra a liberdade (de os mais fracos serem explorados até ao tutano?), que “é contra o capitalismo (aquele arcano da perfeição que nos prepara a miraculosa ida para Marte depois de esgotados todos os recursos e ajardinados os oceanos com a bela e ondulante floresta de garrafinhas de plástico para embelezamento marinho?), contra a Europa (aquela que come à tripa forra dos juros leoninos com que espeta o lombinho dos preguiçosos gastadores do Sul?). Nem tudo mudou desde o tal século XIX (que a historiadora tão bem conhece), topo de excelência dessa Europa "rica" e mãe de todas as desigualdades…

E da outra esquerda, que esperar? Ah, a das "causas fraturantes...". Invencionices que a mantêm na crista da onda. Porque à historiadora nunca terá passado pela cabeça que de "causas" se tratam, com razões e defensores.

NEM A GUERRA LHES MUDOU OS MAUS HÁBITOS

Ou será que mudou? Talvez valesse a pena acompanhar o caminho ligeiro e muito sabido das velhas oligarquias oitocentistas (especialmente por cá...). Que não foi pelo facto de o crescimento económico ter atingido boas cifras ali pelos anos 60 que deixaram de distribuir o pãozinho necessário aos pobrezinhos. Só o necessário… E que com a aventura em que se meteram em 1914, logo acordaram, na década seguinte, que de fome não morreriam. A guerra só lhes parecia reconhecível e “democrática” na morte e na destruição (com exceção do cachapim…). Quando abriram os olhos, perceberam que tinham que por mãos à obra. E que todas as soluções lhe eram úteis. Com uma condição: a de manterem intactas as suas taxas de lucro e as suas posições de “figuras ilustres”. Era preciso acabar com essa bagatela da Constituição e as discussões intermináveis e lamacentas dos clubes partidários? Chame-se o Sidónio, ou o Gomes da Costa, ou o Filomeno da Câmara. Não sabem do que falam? Tanto melhor: não é para dar cabo da corja? Basta a força do varapau. Não têm um programa político? Mas é mesmo disso que precisamos! De alguém que não saiba do que fala. Não afirmava em 1919 Mussolini, o líder fascista, que desejava (ao mesmo tempo) a “reforma da lei eleitoral” e a “extinção do Senado” a par da “jornada de 8 horas”, do “salário mínimo” e da “gestão operária das indústrias”? Tudo podia servir para enganar o bom povo socialista italiano. Porque, dois anos depois, foi com os fasci di combattimiento que violentamente repôs o poder das oligarquias terranentes ameaçadas pelas ocupações, e dos industriais e financeiros incapazes de retomar o “labor” das suas indústrias e o sabor dos lucros.

Foi útil Mussolini? Quão útil! Principalmente porque o seu programa político era muito simples: ganhar o poder a todo o custo. Com o apoio das elites oligárquicas e possidentes invadiria as ruas e as fábricas. Bastava-lhe mobilizar a violência dos deserdados da guerra - coisa muito à mão.

VENTURA!... VENTURA!... VENTURA!...

Valha-nos este hiato da História da Guerra e seus derivados para voltarmos prudente e sabiamente ao séc. XIX, numa lição clarividente para entender a baralhada do séc. XXI deste cantinho de terra onde não há ninguém capaz de fazer as reformas de que o país precisa. “Para uma direita que tem sido bastante cobarde”, só mesmo uma terapia de choque pode salvar o velho país do letargo – não que a historiadora tenha a ver alguma coisa com o assunto na sua declarada letargia búdica. Apesar de distante deste mundo chão, aí vai o rasgo: “O Ventura percebeu que isto não ia com falinhas mansas e com festinhas no cocuruto da cabeça. Percebeu que só à bruta ia abrir um espaço à direita. E que tinha de ser extremista, se bem que não seja mais extremista do que o Bloco de Esquerda. Acho que o Chega pode ser uma espécie de pelotão da frente que abra espaço para uma direita clássica, democrática e sobretudo liberal. O Ventura é um tipo inteligente e muito esperto, e claro que não vai abrir esse espaço para depois se retirar e oferecê-lo de bandeja a outro partido ou a um colega de bancada. Ele próprio pode transformar-se de um arruaceiro – que é o que ele é um bocado – num líder democrático normal. Talvez ele possa normalizar e relegitimar a direita”. “Arruaceiro” e “esperto”. Ora aí estão duas excelsas qualidades para vencer “à bruta”. Para,neste tempo de emergência, colocar a “direita” no comando da "bazuca", essa palavra execrável de que a historiadora nem conhece bem o significado. Porque há uma realidade que não ignora: as especiarias vieram, o ouro do Brasil chegou, vieram os apoios da Europa e nunca o país saiu da cepa torta. Nem os pobres saíram do estado de pobreza, acrescentamos nós. Para onde se terá esgotado tanto rubi e diamante? Fica a dúvida.

Ora aí está a utilidade dos “arruaceiros”, dispostos a partir a loiça para escancarar as portas da "liberdade" a um país amordaçado. Ah, amordaçado, não, considera a historiadora. Essa do Prof. Cavaco Silva, que tanto mostrou admirar em tempos passados, foi “uma frase muito infeliz” do professor de Boliqueime.

COITADA DA DIREITA…PERDEU A VOZ

Já no que toca à sua voz na imprensa, outro galo canta. Em Portugal, hoje, não se pode ser politicamente incorreto”. “Cá em Portugal parece haver uma aceitação mais pacífica da extrema-esquerda do que da extrema-direita. "Não tenha dúvidas. Em Portugal ninguém tem licença para ser de direita". E isso alterou (tem alterado, como se tem visto nos últimos artigos da historiadora, é fácil notar…) a forma como escreve, como se exprime: “É verdade que isso alterou as condições em que escrevo. Tenho um cuidado que não tinha antes. E isto é incómodo. Não desminto nem menorizo isso. É uma pena, é um drama, mas a verdade é que não escrevo com a mesma aisance com que escrevia. A mesma descontração? Escrevo com uma censura ativa na minha cabeça, mesmo que não faça o que essa censura me manda. Mas tenho mais cuidado.”

Um cuidado que tem impedido (?) a historiadora de escrever “livremente” no Público, no Sol…Não nas redes sociais, que não frequenta, e que menospreza por ser coisa menor. Vox populi? Mas nos jornais onde escreve. Conservadora será, fascista nunca lhe chamaram. “Reacionária”, isso sim. “Mas até eu querer”, avisa no seu jeito próprio.

Luís Farinha
Sobre o/a autor(a)

Luís Farinha

Ex-Diretor do Museu do Aljube Resistência e Liberdade. Investigador no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
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