Está aqui

Contra a desumanidade da extrema direita

Há uma parte do país, que se exprimiu nestes dias com exaltação e imensa boçalidade, para a qual a sociedade se divide entre a virtude e o vício, entre a humanidade e a barbárie.

Os guardas prisionais são pessoas, os técnicos de reinserção social são pessoas, os reclusos são pessoas, os profissionais de saúde que trabalham nas prisões são pessoas. Banalidade, não é? Devia ser, mas desgraçadamente, há uma parte do país, que se exprimiu nestes dias com exaltação e imensa boçalidade, para a qual a sociedade se divide entre a virtude e o vício, entre a humanidade e a barbárie. Li algures esta opinião: “se alguns dos que lá ficam morrerem, é menos despesa que temos que ter”. Está tudo dito.

É este país de Facebook e caixa de comentários que a extrema direita agita. Para excitar as massas nas redes sociais, a extrema direita não quer saber da vida e da saúde dos guardas, dos enfermeiros, dos presos ou dos técnicos. Mente (“vão libertar os bandidos” ou “isto é para tirar os políticos corruptos da cadeia”) e lança o terror (“homicidas e pedófilos em liberdade”) sem rebuço. E nisso mostra toda a sua desumanidade e a sua completa indiferença para com a saúde pública de todos.

Entendamo-nos bem. Este é um tempo de fácil exploração de medos e de ansiedades. Por todo o lado, a extrema direita vive política e socialmente da combinação entre a insegurança das vidas e o ressentimento forjado nos mais fracos contra os ainda mais fracos. E, por isso, é um tempo muito exigente para os que se opõem coerentemente à extrema direita. Esses têm duas armas: a verdade e a humanidade.

É, só pode ser, em nome dessa verdade e dessa humanidade que se justifica uma medida excecional de redução da população prisional através de perdões de penas leves, de indultos humanitários e de extensão das saídas precárias. Contra a irresponsabilidade da extrema direita, vale uma medida de bom senso e de defesa do bem comum.

A diminuição da população em permanência nos estabelecimentos prisionais é uma medida de bom senso e de meridiana prudência no quadro de um combate à pandemia que combine eficácia com sentido de humanidade.

Não é aceitável que a sociedade condene os reclusos, os guardas prisionais, os técnicos, os profissionais de saúde e todos os que trabalham quotidianamente nas prisões a viver num risco de contaminação que queremos prevenir em todos os outros espaços. É a saúde dessas pessoas – e das que com elas contactam – que está em causa. Só isso. E não é pouco.

Esta é, pois, uma medida necessária para agora. Mas é também agora que se prepara o futuro. Se alguma coisa nos ensina esta circunstância é que temos que adotar uma cultura social e judiciária que não veja na armazenagem de milhares de pessoas nas prisões um bem. Passada esta urgência, temos que ser capazes de dar mais força a uma política de penas que não tenha na prisão o seu alfa e ómega. Contra a boçalidade vingativa, pelo primado da humanidade de todos.

Artigo publicado no diário “As Beiras” a 10 de abril de 2020

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
(...)