Contra as armas, lutar, lutar!

porBruno Maia

31 de março 2025 - 16:33
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Há um fascista na Casa Branca e isso significa mesmo o que as palavras o denotam: o desenvolvimento do fascismo nos EUA. A esquerda tem que compreender que o futuro é o resultado nas disputas que fazemos hoje e que vencemos.

Uma amiga de esquerda chegada dos Estados Unidos, logo após a eleição de Trump, comentou: “ele não vai fazer nada daquelas coisas, é só retórica”. Aparentemente era esta a “narrativa” dominante entre os moderados e os democratas norte-americanos, em Novembro. Passaram pouco mais do que 4 meses e já não há dúvidas: os Estados Unidos já não são uma democracia, perseguem dissidentes políticos, deportam quem se opõe a Trump e ameaçam invadir países democráticos. Há um fascista na Casa Branca e isso significa mesmo o que as palavras o denotam: o desenvolvimento do fascismo nos EUA.

Ao olhar para os Estados Unidos, o que nos mostra a realidade? A direita toda capitulou ao fascista Trump e eliminou os poucos exemplos que se lhe opuseram. Os democratas andam perdidos no seu “decoro” e nas suas máximas “when they go low, we go high”, como se a luta contra o fascismo fosse um vídeo de tik tok de um “life coach” qualquer. Acreditam que o fascismo se assusta com o decoro e a boa educação. Não riscam nesta luta, estão encostados às boxes, não têm futuro. Quem faz a luta contra o fascista na casa branca? Bernie Sanders e Alexandra Ocasio-Cortez, a esquerda norte-americana, os progressistas, que têm percorrido o país, enfrentando os mais conservadores estados, e enchendo recintos com dezenas de milhares de pessoas, sobretudo trabalhadores, alguns deles eleitores de Trump. Disputam cada pessoa, sob um lema: “destruir a oligarquia”, organizando bases populares, denunciando os ultra-milinionários que tomaram o poder em Washington.

No Brasil a mesma lição: toda a direita rendida ao bolsonarismo. Só que no Brasil foi possível derrotar Bolsonaro porque o centro, o PT, foi convencido pela esquerda, que só a junção das esquerdas poderia sair vitoriosa. Tinham razão!

Por cá, durante anos propagandeamos o nosso país como a exceção, onde o fascismo nunca chegaria. Foram anos em que decidimos, conscientemente, enganar-nos para nosso próprio conforto, para expiarmos as responsabilidades, para não nos cansarmos muito a cogitar o futuro e a investir energias para o assegurar. A realidade esmagou-nos. Já não somos exceção nenhuma. Mas tal como os norte-americanos, continuamos hoje a enganarmo-nos: “nunca chegarão ao governo, ou a ser governo”, “se lá chegarem nunca implementarão o que prometem, não têm coragem, os tribunais não vão deixar...” E tal como os norte-americanos, um dia destes, ainda caímos no buraco fundo, porque decidimos ficar confortáveis na nossa ignorância individualista, mesmo sendo ela uma escolha e não uma condição.

Mas tudo isto são riscos. Não são fatalidades, nem “destino”! Não podemos sucumbir à profecia que se auto-cumpre, o mau agoiro dos comentaristas nacionais. A esquerda não é compatível com fábulas contadas, tem que ser luta, inconformação e cabeça fria. Tem que compreender que o futuro é o resultado nas disputas que fazemos hoje e que vencemos.

Quem junta? Quem luta? Quem resiste? Quem pode derrotar a extrema-direita? É a esquerda, nos Estados Unidos como aqui. No Brasil como aqui! E essa esquerda que junta, em Portugal, é o Bloco. Porque foi sempre o Bloco que percebeu que para derrotar a extrema-direita, não bastam aritméticas parlamentares, não basta “juntar” partidos à esquerda. É preciso agitar uma maioria social pelo direito à casa, por um SNS para toda a gente, pelo direito ao cuidado, pelos 4 dias de trabalho semanal, pelo respeito por quem trabalha por turnos. E tudo isso é a mesma luta das mulheres, das pessoas racializadas, das pessoas LGBTI+, dos imigrantes.

Haverá muitas tarefas nos próximos anos para a esquerda, mas há duas que precisamos de começar a desenhar. Em primeiro lugar é preciso mobilizar contra os milionários - sim, com coragem, sem medo das acusações de populismo ou demagogia, contra os milionários e a acumulação de riqueza pornográfica. Em segundo lugar, lutar contra a clique europeia de dirigentes que nos quer convencer que é preciso gastar em armas para daqui a um ano nos dizerem que temos de cortar no estado social para pagar essas armas. Mobilizar contra as armas é também mobilizar contra a guerra! Sem lirismos pacifistas, reconhecendo a ameaça da guerra, mas com a plena consciência que a guerra se faz contra os povos, enviando jovens para morrer longe de casa, e desviando recursos públicos para a acumulação de riqueza na grande industria do armamento.

Acima de tudo, temos hoje de reconhecer que contra o fascismo a esquerda quer-se radical. E este é o nosso tempo, o tempo dos moderados já passou, e nada de bom sobrou desse tempo!

Bruno Maia
Sobre o/a autor(a)

Bruno Maia

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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