As contas do Orçamento estão erradas

porFrancisco Louçã

15 de outubro 2013 - 16:28
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Quando escrevo esta nota, só tenho informação oficial de algumas conferências de imprensa de membros do governo sobre capítulos específicos do Orçamento. Mas, apesar disso, é possível escrever com certeza que as contas apresentadas até agora estão erradas.

As contas que o governo apresenta no Orçamento de Estado estão erradas. Quando escrevo esta nota, algumas horas antes da apresentação do documento, só tenho informação oficial de algumas conferências de imprensa de membros do governo sobre capítulos específicos do Orçamento e o texto final da proposta de lei não é conhecida. Mas, apesar disso, é possível escrever com certeza que as contas apresentadas até agora estão erradas.

Algumas são puramente fantasiosas, como recuperar duzentos milhões de euros na rubrica dos carros do Estado. O que é que isso significa? Vender os carros em segunda mão, alugá-los para casamentos ou turistas, devolvê-los aos stands? Duzentos milhões? Vender como novos cinco mil carros de topo de gama? Num ano? Fantasia.

Mas essa seria uma fantasia inócua e até simpática. A coisa é distinta com o novo imposto sobre as viúvas: cem milhões de euros, uma média de 400 euros por mês para as anunciadas 25 mil viúvas (e alguns viúvos) que seriam atingidas. Fantasia. Não se alcança esse valor em duplas pensões acumuladas acima de dois mil euros, mesmo taxando-as a 35%, como Paulo Portas propõe. É uma fantasia cruel, não só por violar um contrato, mas porque é a primeira vez que o pagamento de uma pensão de um regime contributivo deixa de depender da contribuição da pessoa e passa a depender da vantagem e do poder de quem recebeu o desconto, o Estado.

E, quando chegamos à reforma do IRC, então passamos da fantasia ao logro. Diz o governo que, ao baixar a taxa de 25 para 23%, perderá 70 milhões de euros de imposto (quase o que vai tirar às viúvas, note-se). Mas a Comissão Lobo Xavier tinha feito outro cálculo e afirmou que a perde de receita fiscal seria de 220 milhões. O governo não dá nenhuma justificação para a diferença, que apesar de tudo é um bom critério para medir as vantagens e desvantagens de uma redução fiscal num orçamento de défice.

Há no entanto duas justificações possíveis para este malabarismo com os números. Uma é que a baixa do imposto estimularia o investimento, aumentaria a atividade económica, produziria mais lucros e os lucros pagariam mais imposto, atenuando a perda fiscal em 150 milhões de aumento da tributação. Isso quereria dizer que o impacto esperado desta baixa do IRC seria um aumento do lucro tributável de mais de 600 milhões de euros, ou de um aumento da produção e venda das empresas portuguesas de mais de dois mil milhões de euros. Fantasia.

Outra justificação, a mais realista mas a pior, é que o governo esperaria que o efeito da redução dos pagamentos ao fisco, com a baixa do IRC, só se repercutissem em 2015 e que, por isso, o efeito contado em 2014 fosse muito pequeno. Mas isso tem dois problemas. O primeiro é que, para estudar os efeitos de uma mudança fiscal, temos de considerar a trajetória de médio e longo prazo, porque tem de valer a pena e de ser sustentável (ou aumenta-se o IRS em 2015 para pagar a baixa do IRC de 2014?). O segundo problema é ainda pior: se isto significa que, para conseguir atenuar o efeito deficitário da redução do imposto, o governo pressiona as empresas a fazer pagamentos antecipados por conta ao longo de 2014, então a consequência é que dá com uma mão (baixa do IRC) e tira com outra (reduzindo a liquidez de empresas que estão e dificuldades). Pior do que fantasia com os números, disparate com a economia.

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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