Depois da esperada vitória dos Trabalhistas no Reino Unido, a vitória não esperada da Nova Frente Popular em França, mesmo tendo em conta a diferença de contexto, não deixa de trazer uma réstia de esperança à política de esquerda na Europa e a exigência de um estudo dos resultados e das suas possíveis implicações.
Contrariando as sondagens que iam noutro sentido e o papel da comunicação social que lhe não era favorável, em poucos dias foi possível engendrar uma coligação de partidos capaz de alcançar a vitória na segunda volta, ultrapassando os liberais de Macron e a extrema-direita de Le Pen.
Independentemente do que venha a suceder, esta vitória faz com que a esperança ganhe força na Europa, sem evidentemente, negar as muitas dificuldades.
Como é hábito, os comentadores portugueses, para além de colocarem, sem arrepios de consciência, no mesmo prato da balança a extrema-esquerda e a extrema-direita nas suas intervenções, quando se confrontaram com a realidade dos resultados, procuraram menorizar essa vitória, apresentando as mais estapafúrdias alegações, quer sobre as dificuldades que se colocam à governação à esquerda, quer com as costumeiras ameaças económicas e financeiras, como a queda da bolsa e outras, até com dificuldades trazidas aos Jogos Olímpicos que terão lugar em Paris.
Uma das causas possíveis, que pode ser aduzida para o crescimento da extrema-direita na Europa e para o recuo da esquerda, pode ser a falta de um programa comum das esquerdas que se oponha com eficácia às narrativas do neoliberalismo e que dê confiança ao povo de esquerda, aos trabalhadores e aos jovens. Foi isso que a Nova Frente Popular conseguiu em França.
Uma das características comuns às esquerdas, não necessariamente má, reside no facto destas apresentarem propostas políticas diferentes para o futuro e perspectivas diferenciadas para a sociedade, tendo, no entanto, no quotidiano muitos princípios e valores comuns, bem como a aspiração de construção de uma sociedade mais justa.
Sabemos que há alguma erosão eleitoral dos partidos de esquerda na Europa, mas são vários os apelos a convergências, como resposta ao crescimento da extrema-direita, a Nova Frente Popular Francesa mostra que o esforço vale a pena.
Para que a convergência seja viável é preciso que os partidos de esquerda ultrapassem o sectarismo dos seus posicionamentos, saibam estabelecer um diálogo aberto, saibam ouvir-se e respeitar-se, dialoguem e construam novas pontes na defesa do património cultural comum, da justiça social à defesa dos direitos humanos e à ecologia , capazes de forjar um programa mínimo comum que permita fazer frente às narrativas neoliberais e combater culturalmente as políticas antissociais da direita e da extrema-direita.
Também há direcções partidárias que, embora se reclamem de esquerda, para manter alguns privilégios adquiridos, não hesitam em aceitar e promover as formulações da direita, traindo assim os projectos dos seus apoiantes e criando condições para que estes, busquem soluções mais há direita, iludidos pelo simplismo dos populistas.
A carência de fontes de informação isentas, credíveis e capazes de promover debates dos temas mais importantes da vida quotidiana, tem contribuído para o estabelecimento da “verdade” imposta pela direita, sem contraditório e que intoxica a opinião pública.
Com o surgimento das redes sociais e da forma capciosa como têm sido usadas pelas forças da extrema-direita, aproveitando os meios que o grande capital lhes entrega, as narrativas falaciosas do neoliberalismo chegam a cada vez maior número de eleitores, sobretudo jovens.
É estranho que em Portugal, não exista um órgão de comunicação de massas aberto e plural que veicule com regularidade as posições políticas progressistas, quando o universo dos cidadãos que se afirmam de esquerda é maior do que aqueles que partilham as posições de direita. Não se trata do controlo dos meios de comunicação, mas falta um veículo informativo aberto à esquerda como acontece em outros países da Europa e não só.
Criar uma alternativa ao neoliberalismo, mais forte, credível, passível de ser amplamente divulgada e entendida, deverá ser o papel da esquerda, saltando sobre sectarismos bafientos, dialogando, aceitando as diferenças, mas também capaz de dar resposta, hoje, às preocupações das novas gerações.
