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Conhecer as prisões

Graças a uma proposta do Bloco de Esquerda aprovada no quadro do Orçamento para o corrente ano, foi apresentado pelo Governo o relatório sobre o sistema prisional e tutelar “Olhar o futuro para guiar a ação presente”.

É um documento extenso, que faz um retrato detalhado da situação de cada um dos estabelecimentos prisionais e dos centros e que, com base em opções estratégicas que identifica para cada um dos subsistemas (3 para o subsistema tutelar educativo e 6 para o subsistema prisional), apresenta uma estratégia de intervenção para a próxima década, quer no plano da requalificação do edificado quer na dotação de meios humanos e técnicos para o desempenho das funções que cada um deles deve ter na sociedade portuguesa.

A publicação do relatório é, já em si, uma primeira vitória. A invisibilidade da realidade da reclusão em Portugal tem caucionado a degradação das condições de vida e de trabalho nas prisões, tem permitido que a tutela educativa de jovens com comportamentos criminais e que a ressocialização dos detidos seja preterida pelo seu armazenamento em espaços indignos e sem projeto e tem sido cúmplice de uma cultura de violação dos padrões de direitos humanos exigíveis seja para quem for. A partir de agora, a sociedade portuguesa deixou de poder invocar que não sabe exatamente qual é a realidade do sistema prisional do país. O conhecimento da realidade é uma condição imprescindível para a sua transformação.

Mas o relatório é apenas um ponto de partida. Agora há que discutir as medidas nele elencadas e trazer ao debate as que lá não estão e deviam estar. Dois exemplos: primeiro, identificam-se estabelecimentos prisionais a encerrar e outros a construir de raiz, dando prioridade ao critério da prioridade com os locais de residência – e a pergunta é: faz sentido manter uma rede de prisões de média dimensão (entre os 300 e os 600 detidos) ou é mais indicada uma rede de estabelecimentos mais pequenos, com uma maior descentralização e, portanto, mais próximos das comunidades relevantes? Segundo, refere-se como objetivo a contratação de 200 guardas prisionais e de 238 técnicos de reinserção social – e a pergunta é: estes reforços garantem um desempenho adequado das prisões e uma efetiva centralidade da reinserção social na vida de reclusão?

E depois há duas dimensões que este relatório não inclui e que são absolutamente cruciais. Primeiro, o relatório é vazio relativamente ao combate a práticas de violação grosseira de direitos humanos nas prisões. Uma política penal digna de uma democracia não pode ser complacente com culturas de violência em lugares que deveriam ser votados à criação de projetos de vida alternativos à violência e tem que assumir como prioridade medidas concretas de luta contra essas culturas, sejam quem forem os seus intérpretes. Segundo, o relatório não dá o devido ênfase às atividades de formação escolar e profissional em meio prisional. Uma prisão que, por falta de meios, não assume como sua tarefa principal essa dimensão não cumpre o seu papel e será pouco mais que um depósito de detidos.

A batalha por uma sociedade realmente amiga dos direitos humanos tem no sistema prisional um campo de incidência fundamental. Este relatório é um passo importante nesse sentido. Mas é apenas o primeiro de muitos que são imperativos.

Artigo publicado no diário “As Beiras” a 14 de outubro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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