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Confinar o Norte

Não fossem as denúncias públicas relativamente ao plano de subalternização/extinção do aeroporto Sá Carneiro por parte da TAP, estaríamos provavelmente condenados a cantarolar "anda comigo ver os aviões". Em terra.

O Norte do país estaria assim obrigado a renascer em banho-maria ou a marinar em Pedras Rubras, sem qualquer agitação no ar mas com tremendas nuvens negras. No que diz respeito à forma como trata as operações no Porto, não é de agora a falta de sensatez da TAP. Sem que a participação de 50% do Estado tenha qualquer relevância nas opções tomadas, a todo o custo há quem pareça apostado em querer retirar a bandeira à companhia de bandeira, fragilizando-a em relação ao território que deve servir e desconsiderando a causa pública a que sempre retornam quando pedem, irremediavelmente, ajuda. É um clássico. O Estado paternal a abraçar o filho sem asas.

A Comissão Executiva da TAP não desconhece a importância do aeroporto do Porto para a coesão territorial do país. Entende a relevância estratégica da companhia para o desenvolvimento da economia e a mobilidade dos cidadãos. Sabe bem da importância vital que a TAP é obrigada a desempenhar, sobretudo no rearranque económico "pós-covid", numa região que representa mais de 40% das exportações nacionais e alavanca o crescimento do turismo em Portugal. Então porque coloca em cima da mesa um plano (que alguns desvalorizam mas ninguém desmente) que, até março de 2021, reduz em 63% a operação no Aeroporto Sá Carneiro, condena à extinção 10 dos 16 destinos operados em 2019, reduzindo a ponte aérea Porto-Lisboa em mais de 50%? Por que razão pretende confinar o Norte a três destinos internacionais até agosto, eliminando 21 ligações semanais a Madrid, 14 ligações a Bruxelas e a Genebra, qualquer ligação a Ponta Delgada, mantendo Nova Iorque muito restrito até agosto e operando muito limitadamente para Paris e Londres até novembro? Porque suprimem todas as ligações a São Paulo e ao Rio de Janeiro? Porque mantêm 71 rotas no aeroporto Humberto Delgado em Lisboa e apenas três rotas com partida do Porto? Sendo tudo tão obviamente desproporcional, disfuncional e assimétrico, só pode esconder uma agenda.

Apesar de António Costa admitir que há "uma subutilização de um activo para o país", a TAP faz o que quer com a sua operação no aeroporto do Porto. Porque pode e porque o Estado assim permitiu. Costa garante que não haverá nenhum cheque em branco à TAP, afastando qualquer garantia, empréstimo ou injecção de capital enquanto o Estado não tiver voz activa nas decisões estratégicas da empresa. Já se percebeu que só a nacionalização da companhia pode impedir que a TAP consiga confinar parte do país por agenda, incompreensão ou capricho.

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 8 de maio de 2020

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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