Como é que Israel derrotou George Bush, e como poderá agora derrotar Kamala Harris

porTiago Ivo Cruz

05 de novembro 2024 - 15:35
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De todos os assuntos que poderão colocar a vitória de Kamala Harris em causa, o genocídio em Gaza parece-me estar a ser tremendamente desvalorizado.

Em 1991, no pico da sua popularidade após a Guerra do Golfo, George Bush congelou a assistência financeira a Israel enquanto não parasse a construção de colonatos em território palestiniano. Sob pressão, Yitzhak Shamir, então primeiro-ministro de Israel, aceitou participar na Conferência de Madrid (final de 1991-92). De todas as conferências de paz, foi a que mais alcançou e menos concretizou em parte devido aos ataques do então candidato democrata Bill Clinton nas presidenciais de 1992, acusando Bush de ambiguidade face a Israel e ao antisemitismo (permitindo a Israel atrasar o avanço das conversações diplomáticas). Uma acusação ignóbil e cínica que teve um efeito devastador. Se, nas presidenciais de 1988, Bush obteve 35% do voto judaico, em 1992 recebeu apenas 11%. Foi o primeiro presidente a não conseguir ser reeleito desde Jimmy Carter.

Desde então, nenhum presidente ou candidato presidencial republicano ou democrata arriscou colocar em causa o apoio financeiro ou militar a Israel. E o genocídio em Gaza não beliscou essa relação, mas poderá ter um efeito eleitoral decisivo contra os democratas.

O efeito da agressão israelita sobre o eleitorado norte-americano só será conhecido nos estudos pós eleitorais. Mas os sinais de alerta de desmobilização das comunidades afetadas - desde o voto jovem e estudantil até às comunidades palestiniana, síria, jordana, libanesa, iraquiana, árabe e muçulmana - obrigaram Bernie Sanders a tentar conter os danos com o único argumento verdadeiro que lhe resta: se a política de Biden e Harris sobre Israel é má, a de Trump será pior (mensagem de 29 de Outubro). Depois, a própria Kamala Harris abordou o assunto a 2 de novembro, prometendo fazer "tudo o possível" para acabar com o sofrimento em Gaza. Ambas as mensagens partem de uma derrota moral e contrastam com a devastação no terreno e na vida destas comunidades.  

Com o sistema de colégio eleitoral norte-americano, as sondagens indicam que as eleições serão decididas por uma geometria de entre apenas sete Estados. Em todos eles, o eleitorado afetado pela agressão israelita é difícil de delimitar, mas, se nos guiarmos apenas pelas comunidade muçulmana, a última sondagem da CAIR (Council for American-Islamist Relations) aponta para um cenário perigoso: Harris obtém apenas 41% do seu voto, ultrapassada não por Trump mas sim Jill Stein, com 42,3%.

Considerando as curtíssimas margens eleitorais em jogo, uma comunidade de apenas 130 mil eleitores muculmanos na Carolina do Norte, 1,3% da população, poderá ser decisiva. O mesmo se aplica ao Wisconsin (1,2%), Arizona (1,5%), Georgia (1,2%), ou Pensilvânia (1,2%).

Estou convencido que, se Kamala Harris ganhar estas eleições, será por uma margem confortável do colégio eleitoral (o que não é contraditório com as sondagens). Mas, no caso de derrota, é provável que Gaza tenha tido um efeito determinante, e os democratas só se poderão culpar a si próprios.
 

Tiago Ivo Cruz
Sobre o/a autor(a)

Tiago Ivo Cruz

Doutorando na FLUL, Investigador do Centro de Estudos de Teatro/Museu Nacional do Teatro e da Dança /ARTHE, bolseiro da FCT
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