Coesão social na saúde, o caso da radiologia

porMário André Macedo

26 de setembro 2024 - 16:35
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Um SNS robusto, presente e de proximidade, garante equidade e sustentabilidade financeira, dá um contributo imprescindível na coesão social, na consecução dos projetos de vida e no desenvolvimento económico. Não podemos abandonar metade do país para uma crescente insegurança de ausência de apoio na saúde.

Os meios complementares de diagnóstico são uma ferramenta essencial para auxiliar os profissionais de saúde a realizar o diagnóstico certo, prescrever e administrar terapêutica dirigida, monitorizar a evolução de uma doença crónica e, importa não esquecer, manter atividades de prevenção de doença. São indispensáveis na medicina moderna.

Os exames de radiologia constituem a quarta maior despesa do SNS em convenções com o setor privado e social, sendo sistematicamente referidos como um dos pontos críticos do acesso aos cuidados de saúde. O foco na equidade é imprescindível enquanto pedra basilar da organização da oferta de cuidados de saúde. O acesso a exames de imagem não é exceção.

Em 2022, foram realizados em Portugal 14 milhões de exames de radiologia, dos quais 68% diretamente no SNS. A fatia destes exames produzida em regime de convencionado teve um custo de 130 milhões de euros, o que demonstra bem a importância da organização e planeamento que o serviço público de saúde tem de ter.

Apesar destes números, persistem desigualdades geográficas importantes no acesso a serviços de radiologia, uma vez que em quase metade dos concelhos não existem quaisquer prestadores. O número de concelhos sem oferta convencionada aumenta para 55%, encontrando-se estes concentrados em concelhos do litoral, com elevada densidade populacional e com rendimentos superiores. O que nos leva a recordar a lei dos cuidados inversos de Hart, que explica que prestadores privados tendem a concentrar-se de forma inversa às necessidades da população.

O serviço público de saúde tem uma importante missão de redução das desigualdades e promoção da coesão social. É inaceitável que existam pessoas no Alentejo a duas horas de um prestador de um prestador público e, em muitos caos, até de um prestador convencionado. A equidade tem de ser a prioridade da organização da oferta de cuidados de saúde e cabe ao SNS garantir que não há barreiras geográficas que impossibilitem os cidadãos de obter os cuidados de que necessitem.

A ausência do serviço público gera outro problema: relações de dependência. Sem oferta pública, sem oferta convencionada e com um cada vez maior volume de exames solicitados, o interesse público fica cada vez mais refém dos interesses de alguns privados.

O Algarve conhece bem as consequências desta concentração depois de, em 2023, por falta de capacidade instalada, o SNS teve de enviar doentes a Sevilha para tratamentos de radioncologia. É precisamente nesta região, seguida do Alentejo, que a concentração mais se faz sentir e ameaça o acesso aos cuidados de saúde. Sem surpresa, são as regiões onde o serviço público mais está ausente.

Um SNS robusto, presente e de proximidade, garante equidade e sustentabilidade financeira, dá um contributo imprescindível na coesão social, na consecução dos projetos de vida e no desenvolvimento económico. Não podemos abandonar metade do país para uma crescente insegurança de ausência de apoio na saúde.

Artigo publicado em Novo a 9 de setembro de 2024

Sobre o/a autor(a)

Mário André Macedo

Enfermeiro especialista em saúde infantil e mestre em saúde pública.
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