Cidades para pessoas felizes: um ato de resistência

porRicardo Moreira

15 de setembro 2025 - 12:46
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Lutar pelo Direito à Cidade e reconstruir as cidades como espaço de emancipação é o nosso próximo desafio autárquico, até porque uma cidade com pessoas felizes é um ato de rebeldia e insubmissão.

Há pessoas com uma visão romântica de que a sustentabilidade e o respeito pelo ambiente só estão presentes se as pessoas viveram no campo. Infelizmente, não é assim. É nas cidades, com a partilha e eficiência de recursos que podemos encontrar as respostas para a crise climática e ambiental.

Vivemos num tempo em que a maioria da população mundial já habita zonas urbanas. Esta concentração humana é uma oportunidade histórica para reinventar o modo como vivemos juntos. Mas essa reinvenção virá pela mão invisível do mercado ou pelas nossas próprias mãos. Virá de colocarmos as pessoas — e não os carros, os centros comerciais ou os fundos imobiliários — no centro da vida urbana. Os laços de vizinhança e o sentido de pertença a uma comunidade estão sempre ameaçados quando não criamos cidades para as pessoas se encontrarem no espaço público.

Esta ideia tem tido diferentes expressões, como a “Cidade 15 Minutos” de Carlos Moreno ou os Super Quarteirões de Barcelona inventados por Salvador Rueda. Mas a ideia é sempre a mesma: uma cidade tem de ser densa e próxima, com o espaço público como o coração da comunidade. Curiosamente, na construção dessas cidades para as pessoas descobrimos as peças para uma cidade sustentável e resiliente às alterações climáticas. Como sempre, isto anda tudo ligado.

A intenção é termos uma cidade de proximidade, com o trabalho perto de casa, assim como as escolas, os parques infantis, os espaços verdes, os mercados de bairro e mesmo os serviços públicos. Tudo perto, para podermos fazer a pé ou de bicicleta, usando os transportes públicos para as deslocações maiores e o carro quando nada mais é possível.

Uma cidade assim permite consumirmos menos energia fóssil nas deslocações, aumentar os espaços verdes, reduzir a poluição e termos mais espaço e tempo (porque não o perdemos em movimentos pendulares) para estarmos juntos.

Sem surpresa, as cidades para as pessoas são vistas pela direita e pela extrema-direita como um problema até porque são parte da solução para criarmos comunidade e para combatermos as alterações climáticas. Jordan Petterson, o influente intelectual de direita, diz que as cidades 15 minutos são uma ideia “tirânica” dos burocratas que nos querem encurralados e Joe Rogan, o influencer trumpista, diz que o conceito é para manter as pessoas presas.

No entanto, todas as cidades que avançaram no sentido da proximidade demonstram grandes resultados, como Paris fez recentemente, introduzindo muitos quilómetros de ciclovias protegidas, restringindo o trânsito em várias zonas da cidade, criando novas zonas verdes ou impedindo os carros de passar ao pé das escolas,. As ruas e a cidade ganharam vida e as pessoas ganharam qualidade de vida e comunidade. Mas mesmo aí, a luta continua: sem justiça social, a cidade verde pode tornar-se apenas mais um luxo para os privilegiados.

Recriar novas cidades, com casas públicas que as pessoas podem pagar, transportes públicos que funcionam e gratuitos, com ciclovias e ruas pedonalizadas, com espaços verdes próximos de toda a gente, com comunidades de energia renovável com auto produção e consumo, usando soluções baseadas na natureza para criar uma cidade esponja e aumentando as zonas pedonais, é a tarefa de qualquer socialista, é um mapa para a nossa política autárquica e uma das tarefas mais entusiasmantes que podemos ter.

Lutar pelo Direito à Cidade e reconstruir as cidades como espaço de emancipação é o nosso próximo desafio autárquico, até porque uma cidade com pessoas felizes é um ato de rebeldia e insubmissão.

Artigo publicado originalmente em Anticapitalista #82 – Setembro 2025

Ricardo Moreira
Sobre o/a autor(a)

Ricardo Moreira

Engenheiro e mestre em Políticas Públicas, doutorando em Alterações Climáticas, autor da série documental Cidades Impossíveis e deputado municipal pelo Bloco de Esquerda em Lisboa. Dirigente do Bloco.
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