Vacilei sobre o título a dar a este artigo. Mas não ficava bem com a minha consciência, de cidadã, coerente e feminista, se não abordasse a mudança do nome do cartão de cidadão, para cartão de cidadania.
Sinceramente, quando a proposta do Bloco de Esquerda surgiu pensei que seria consensual, porque em meu entender, era a mais natural do mundo. Se, Sou mulher, sou cidadã. Ponto final. Mas afinal, e para minha surpresa, existem pessoas que acham que eu sou cidadão. E tenho que ficar calada, porque diz a gramática, milenar, que é assim, e não se pode mudar, porque seria uma blasfémia.
Outras pessoas consideram que a linguagem universal, que por acaso termina quase sempre com o masculino, já engloba o feminino, e que por isso, eu não posso ser cidadã, porque o cidadão já me representa. Estas pessoas são as que acham natural que, o que existe, são os direitos dos homens, e não os direitos humanos.
Ainda existem as que acham que o País tem muitos mais assuntos em que pensar, do que em linguagem inclusiva, e até existe as que anunciam, um voto contra a referida proposta, porque não estão para aturar, estas “tretas”.
E das pessoas, iguais aos Arrojas deste mundo, que expressaram nas redes sociais, e nos comentários públicos, as maiores barbaridades e asneiradas o melhor é mesmo dar-lhes o desprezo, porque nem argumentos, minimamente sérios, souberam evocar. É mulher, não presta, e ponto final.
Dou por mim a pensar: Passados 42 anos de Abril que nos trouxe a liberdade, 40 anos da Constituição da República Portuguesa, que consagrou os direitos iguais para Mulheres e Homens, porque estamos a enfrentar esta polémica em relação a uma coisa tão fácil de entender? Chamar cada pessoa pelo género que tem. Se é mulher é cidadã se é homem é cidadão.
Afinal a mentalidade que está por detrás das mulheres assassinadas e maltratadas, o sentido de posse que domina em relação à mulher, a fraca representação da mulher nos cargos públicos e de poder, etc, etc…também se manifesta na linguagem sexista e não inclusiva e é muito mais alargada do que alguma vez eu poderia pensar. Isto de mudar mentalidades “milenares” é bem mais complicado do que parece.
O que mais me incomoda são os argumentos, velhos e estragados, de que Elas, não precisam de ser tratadas como tal, porque Eles, já as representam. É por estas e por outras que a sociedade está tão machista e tão pouco inclusiva. É por estas e por outras que ainda se fazem enxovais azuis e rosa conforme o sexo da criança que vai nascer, que se, separam os brinquedos das meninas e dos meninos, que se promovem espaços para treinar as meninas para serem “princesas” animadas, que se continua a dizer, que um homem sensível, não é homem.
Sei, por experiência própria, que tudo o que a mulher conquistou nestes 42 anos foi com muito trabalho, muita luta e muita persistência. Sei que é muito mais fácil dizermos que somos contra a violência doméstica, mas quando se fala em igualdade de género, tudo muda e fica mais complicado. Mas também sei, que a luta por uma verdadeira igualdade tem que continuar, a desistência não pode fazer parte da nossa agenda, porque mudar o nome do cartão, é apenas, a parte mais pequena da grande palavra de ordem, que as feministas da UMAR lançaram na avenida da liberdade, neste 25 de abril: Nem Menos, Nem Mais, Queremos Direitos Iguais!
É com este espírito de continuar a lutar que neste 1º de Maio é importante sair à rua e dizer presente nas realizações sindicais que se vão realizar. A luta pela igualdade faz parte da luta de sempre.
Artigo publicado em dnoticias.pt a 29 de abril de 2016