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Chega para lá

A indiferença com que a direita portuguesa encara o fenómeno Bolsonaro no Brasil só acrescenta credibilidade à necessidade de olhar para atores como Ventura com a atenção política devida.

André Ventura vem do PSD e vem do pequeno estrelato televisivo. Foi na condição de polemista de café (as tertúlias de café sobre futebol foram transformadas em programas de futebol) que Ventura foi recrutado pelo PSD para “ir para a política”. Mas pensar que André Ventura é uma evanescência momentânea é perigosamente enganador.

Não desvalorizemos o facto de Ventura ter sido figura de destaque no PSD de Passos Coelho – isso diz-nos do programa de liberalismo económico radical que fez seu ao ser um dos rostos públicos do PSD. E isso não é um facto menor. O campo democrático tem que tornar claro, desde a primeira hora, que a popularidade destes populistas tem como programa agredir o povo. Os cortes no subsídio de desemprego, a recusa de aumento do salário mínimo nacional, a redução (!) das pensões, a privatização da saúde – tudo prioridades conhecidas do PSD – foram e são apostas de André Ventura. Não é, pois, de “chega de pobreza”, de “chega de desigualdade” ou de “chega de injustiça social” que trata o Chega de André Ventura. É sim de “chega de Estado Social” e de “chega de políticas de igualdade e inclusão” – esse é o programa não dito do Chega.

Não desvalorizemos o facto de André Ventura ser uma cara conhecida da televisão. Disse-se o mesmo de Donald Trump – que era uma insignificância política, mero figurante de Casa dos Segredos para milionários– e foi o que se viu: é hoje presidente do país mais poderoso do mundo e o mais perigoso agente da instabilidade e da desordem mundial. Ventura é outra coisa? Pouco importa: em si mesmos um e o outro valem o mesmo. O que vai contar não é ele, é a sua circunstância. A agenda xenófoba, racista, homofóbica e misógina e de desprezo pela representação democrática tem mais espaço social do que gostamos de reconhecer. E espera só um contexto socioeconómico favorável para ganhar terreno nas instituições. Deixem só que a Europa faça o que quer fazer – fazer implodir o crescimento que temos tido como preço dos imperativos do Eurogrupo – e o descontentamento será facilmente atraído para essa agenda populista. A indiferença (ou mesmo indisfarçado regozijo, em alguns casos) com que a direita portuguesa encara o fenómeno Bolsonaro no Brasil só acrescenta credibilidade à necessidade de olhar para atores como Ventura com a atenção política devida. Afinal de contas, uma direita antifascista é coisa que rareia cada vez mais em Portugal.

Artigo publicado no diário “As Beiras”, em 13 de outubro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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