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A chantagem do governo contra os professores

Os sindicatos foram intransigentes? Pelo contrário. Quem se recusou a sair da proposta de recuperar apenas 2 anos, 9 meses e 19 dias foi o governo.

Na segunda-feira, o ministro da Educação decidiu romper negociações (informais) com os sindicatos relativamente à recuperação do tempo de serviço dos docentes durante os anos em que as carreiras estiveram congeladas, precisamente 9 anos 4 meses e 18 dias. Estava em cima da mesa a forma e o prazo para que quase uma década de trabalho não fosse apagada da carreira dos professores.

Ao fim de alguns meses de conversações, o ministro substituiu a negociação pela chantagem: ou os sindicatos aceitavam a proposta do governo ou os docentes não teriam direito a nada, nenhum dia seria contabilizado. As reações não se fizeram esperar e o tema acabou por ocupar parte do debate com o primeiro-ministro. O desafio foi feito por quase todas as bancadas, mas os milhares de professores que esperavam um desmentido de António Costa ficaram outra vez a ver navios. Costa limitou-se a repetir argumentos gastos e curtos para justificar a atitude do governo. Tentarei responder a todos.

A culpa do apagão é de quem congelou É verdade, o tempo de serviço dos docentes para efeitos de progressão na carreira está congelado desde 2011 e essa norma foi repetida em todos os Orçamentos do Estado até 2018. A redação original desta norma dá azo à interpretação de que se trata de um “apagão”, e não apenas de um “congelamento”. É um pequeno problema de semântica que dificilmente atrapalharia uma vontade política. Aliás, como se viu na proposta avançada pelo governo.

Os sindicatos foram intransigentes Pelo contrário. Quem se recusou a sair da proposta de recuperar apenas 2 anos, 9 meses e 19 dias foi o governo. Os sindicatos apresentaram várias propostas para o faseamento da recuperação, algumas com alcance temporal maior do que a legislatura, para mitigar o impacto financeiro. A solução encontrada pelos sindicatos não era muito diferente da que foi encontrada no passado para recuperar outros períodos de congelamento, como aconteceu no governo de António Guterres.

Assim há igualdade entre funcionários públicos A proposta de recuperação parcial do tempo de serviço proposta pelo governo era uma negação dessa igualdade. Porque pretendia que os professores fossem reposicionados de acordo com as regras de progressão das carreiras gerais. O primeiro-ministro terá de se esforçar muito para explicar onde está a igualdade em repor 100% da carreira a uns e apenas 30% (ou nada) a outros. O discurso sobre “privilégio” e carreiras de progressão “automática” não passa de demagogia. Cada funcionário deve progredir de acordo com a sua carreira, não da forma que mais convém aos brilharetes orçamentais de Mário Centeno.

O Governo cumpriu? Com esta decisão de não contar o tempo de serviço e romper negociações, o governo viola a Lei do Orçamento do Estado, que determina que “a expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras (...) é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”. E também não respeita a resolução 1/2018 da Assembleia da República, que recomenda a contabilização integral do tempo de serviço. O facto de o PS ter dado o seu voto favorável aos dois diplomas deveria contar alguma coisa em termos de “palavra dada, palavra honrada”.

É demasiado caro A reposição de direitos tem um custo, mas o seu contrário é a austeridade que o país recusou. Dito isto, os números que o governo avança estão claramente inflacionados por ignorarem cálculos de faseamento da valorização remuneratória.

Às vezes, este debate parece ser sobre tudo menos sobre o que interessa: este debate é sobre um professor com 14 anos de serviço estar no mesmo escalão de uma docente que acabou de entrar. É sobre docentes que nunca vão poder chegar nem próximo do topo da carreira. É sobre o reconhecimento de uma década de trabalho e dedicação à escola pública em anos duríssimos, é sobre a vida de cem mil professores que o governo decidiu castigar como efeito colateral de um braço-de-ferro espúrio com os sindicatos.

Sr. ministro, que valente recuo para quem ainda há poucos meses afirmou querer lutar “radicalmente” pelos direitos dos professores.

Artigo publicado no jornal “I” em 6 de junho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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