Está aqui
Chamberlain?
É curioso como a opinião mais solene pode ser tão volátil. Há dois meses, quando cedeu o lugar a Scholz, Merkel era incensada como a figura europeia do século XXI, e as chancelarias acotovelavam-se para a condecorar. Mesmo que o seu Governo tanto tenha prejudicado Portugal sob a troika, esses panegíricos também foram dogma entre nós. Agora é destratada, frequentemente pelos mesmos elogiadores, como uma réplica de Chamberlain perante Hitler, por ter desenvolvido o projeto da importação de petróleo e gás russos.
Isso foi consensual no seu país (Schroeder, ex-chanceler social-democrata, aproveitou para fazer carreira na Gazprom), levou à construção do Nord Stream 2 e, aliás, as importações não foram interrompidas. Era economicamente estratégico: como Krugman escreveu há dias, a Alemanha só recebe da Rússia 2% das suas importações, ela por ela o que vem da Irlanda, só que é energia, perfazendo 55% do seu uso de gás. Para fechar essa torneira, os alemães teriam de reduzir o seu consumo em pelo menos 30%, o que só seria conseguido, contas de Krugman, com um aumento do preço de 600% (ou com racionamento). Portanto, a opção de Merkel era racional, não era chamberlainesca...
Ela fracassou politicamente, porque a parceria económica com a Rússia, que organizaria a sua relação europeia, foi atropelada pela ambição invasora. A Alemanha passará, no futuro, a depender de importação de energia dos EUA, o que queria evitar, tanto pelo seu preço quanto pela perda de autonomia que representa o fecho da fronteira a leste.
Em qualquer caso, esses dados já estão lançados. Merkel ficará esquecida num armário.
Artigo publicado no jornal “Expresso” a 18 de março de 2022
Comentários
Em primeiro lugar não é
Em primeiro lugar não é verdade que a Alemanha só importe 2% da Rússia, mas sim cerca de 40%. Depois, cabe perguntar: o que é melhor para a Europa ( e para a Alemanha)? Depender do gás russo ou do americano ou do Quatar ou de Israel? De facto, como Louçã constata, o gás americano é substancialmente mais caro devido aos custos de transporte e das infraestruturas. Vantagens? Nenhumas! Acresce que os EUA não estão em condições de aumentar a sua produção de gás. O pico já foi atingido e agora é sempre a descer, até porque muitas empresas de extracção já faliram. Para mais, não existe nenhum fornecedor capaz de entregar à Europa as quantidades necessárias, a não ser o amigo russo. Logo, as chamadas vulnerabilidades vão manter-se sim, goste-se ou não, visto o continente ser altamente deficitário em termos de energia e as renováveis estão muito longe de cobrir a procura-
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