Seis meses volvidos sobre o início do massacre palestiniano em Gaza sob pretexto de retaliação pela matança de civis pelo Hamas, que se cifra em mais de 32.000 mortos, de centenas de milhar de deslocados internos e de uma destruição imensa de equipamentos e infraestruturas, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, na passada segunda-feira, uma resolução que “exige um cessar-fogo imediato durante o mês do Ramadão, respeitado por todas as partes, que conduza a um cessar-fogo sustentável e duradouro”. A resolução exige também a libertação imediata dos reféns em posse do Hamas e “enfatiza a necessidade urgente de expandir o fluxo de assistência humanitária” para a população encarcerada naquele território.
O projeto de resolução havia sido apresentado pelos dez atuais membros não permanentes do Conselho de Segurança (Argélia, Coreia do Sul, Equador, Eslovénia, Guiana, Japão, Malta, Moçambique, Serra Leoa e Suíça) e recebeu 14 votos favoráveis e a abstenção dos Estados Unidos.
Tratou-se da quinta tentativa de fazer aprovar um cessar-fogo no quadro do Conselho de Segurança. Três dos projetos anteriores haviam esbarrado no veto dos Estados Unidos que usaram como pretexto para não pôr travão à chacina dos palestinianos pelo exército israelita a ausência de referências explícitas ao direito de Israel se defender e a falta de articulação entre o cessar-fogo e a libertação dos reféns.
A quarta proposta para obtenção de um cessar-fogo foi a resolução apresentada pelos Estados Unidos na semana passada, vetada pela Rússia e pela China. Ela fora um primeiro sinal de um mínimo descolagem de Washington face à estratégia bárbara de Netanyahu. Sinal mínimo, insisto, traduzido quase só no facto mesmo de ter sido dos Estados Unidos a autoria dessa resolução. O conteúdo da proposta, esse, ficou deliberadamente muito aquém dos mínimos, apostando num exercício retórico vazio de exigências concretas ao agressor. Ou seja, o que esse gesto americano sinalizou foi a vontade da Casa Branca de não ficar demasiado exposta na fotografia do massacre iminente.
À quinta vez, tal o clamor da opinião pública mundial, a exigência de cessar-fogo, há tanto tempo feita pelo Secretário-Geral da ONU, foi finalmente aprovada. A resolução agora adotada pelo Conselho de Segurança vale pelo que decide e porque o decide neste momento. Decide exigir um cessar-fogo em dois tempos: primeiro, durante o Ramadão, abrindo caminho a um cessar-fogo “duradouro” posterior. A tentativa russa de incluir a palavra “permanente” foi derrotada numa votação específica tendo três votos a favor, um contra (veto americano) e onze abstenções. Mas, mais que tudo, a resolução vale por ser adotada quando Israel está na iminência de levar a cabo uma agressão militar de máxima intensidade contra Rafah, onde mais de um milhão de palestinianos se refugiou, fugindo dos ataques israelitas em todos o restante território de Gaza.
A questão é se a resolução aprovada no início da semana pelo Conselho de Segurança travará o massacre de Rafah. Pela parte de Telavive, não, claro. Pela parte de Washington, o mais certo é que não também. Os mesmos Estados Unidos que, com a sua abstenção, viabilizaram a exigência do cessar-fogo no Ramadão logo arrepiaram caminho, alegando que não se trata de mais que um aviso porque, dizem, a resolução não é juridicamente vinculativa. Tese absolutamente peregrina no plano do Direito Internacional porque a Carta das Nações Unidas (artigo 25.o) é clara ao estabelecer que “os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança.”
Para que serve o Direito Internacional – desde a Carta das Nações Unidas às resoluções do Conselho de Segurança – diante da brutalidade incontida de um agressor apostado na punição coletiva de um povo e na sua subjugação colonial? Serve para o que serviu em Timor Leste e para o que serve no Sahara Ocidental: para ser argumento forte de disputa política. Essa, só a solidariedade internacional a pode fazer ao lado do povo da Palestina.