O novo afinal já vinha muito usado. O governo ofereceu-nos um Ministério da Educação em segunda mão. Para lá da cosmética negocial (que já se revelou matreira e sem vergonha), a nova equipa trouxe zero ideias novas. De facto, no país com uma das maiores taxas de abandono escolar da Europa, a única grande reforma anunciada é a continuidade da política do centralismo burocrático, tão militantemente delineada por Maria de Lurdes Rodrigues.
O que mais nos tira do sério é a forma hipócrita e plástica como a pedagogia e o combate ao insucesso escolar teimam em aparecer na boca da Ministra como a razão para tantos disparates, tentando esconder que a verdadeira motivação é poupar na Escola Pública e domesticar os professores. Ou seja, menos escola e mais silêncio.
Encerrar mais de 500 escolas com menos de 21 alunos e com insucesso escolar "acima da média" é uma medida insensível e alheia a cada realidade pedagógica. A ministra, já tropeçando e recuando com a crítica, vem agora falar em "número redondo", o que só põe a nu a crueza com que o governo delineia as suas políticas.
A medida é errada em primeiro lugar porque os critérios anunciados pelo governo são pura mistificação. Como bem nota Octávio Gonçalves, há escolas para fechar com mais sucesso escolar que as escolas de acolhimento, com mais condições materiais que a escolas de acolhimento, e em que a monodocência no 1º ciclo é também praticada nas escolas de acolhimento. Uma farsa, portanto.
Em segundo lugar, mesmo que o ministério respeite os critérios que papagueia, o que se prepara para fazer é diluir o insucesso, exportando-o para uma escola maior. Numa escola com 15 alunos, três alunos que reprovem dão 20% de insucesso. Se migrarem para uma escola com 300 alunos e 5% de insucesso, esta taxa pouco aumenta, legitimando a pseudo-justeza da medida. Ou não fosse o manejo das estatísticas a especialidade deste governo.
Em terceiro lugar, mas não menos importante, esta medida terá consequências negativas para a vida e o sucesso escolar de milhares de crianças, que serão obrigadas a deslocações de dezenas de quilómetros e ao seu brusco desenraizamento afectivo e social.
Haverá casos em que se justifique o encerramento de uma escola e a deslocação dos alunos para outra escola situada a uma distância razoável. Mas o governo não apresenta um único estudo, só manda bocas. Na resposta, autarcas e populações já vieram mostrar a irracionalidade da medida. Não só "em nome da Terra" - o que é legítimo mas não legitimador - mas sobretudo olhando para as necessidades concretas de cada criança.
Paralelamente ao encerramento de escolas, vêm aí os mega-agrupamentos escolares. São mega-estruturas, geridas por um mega-director: uma lógica concentracionária que ilustra bem a linguagem "multinacional" de um governo rendido à empresarialização e ao neoliberalismo. Nestes mega-agrupamentos, sob a alçada de um só director, estarão perto de três mil alunos e centenas de professores e auxiliares. A gestão democrática e de proximidade, a autonomia na escolha de projectos educativos, a constituição de equipas docentes cooperativas, a resolução de problemas simples, tudo isto passará a ser um bicho-de-sete-cabeças. Em vez disso, o governo oferece à comunidade escolar um capataz que tudo centraliza. Na verdade, um mega-director será sempre muito mais um funcionário do Ministério da Educação - pronto a fazer fluir a correia de transmissão - do que alguém comprometido com as aspirações e os projectos de cada comunidade escolar.
Com o sucesso escolar na ponta da língua, a banha da cobra é o prato que este governo gosta de oferecer. Quando quer economizar e domesticar, faz contorcionismo para que se perceba que é tudo em nome do sucesso escolar. Quando milhares de vozes reclamam por medidas óbvias e simples para combater o insucesso - como a redução do número máximo de alunos por turma - o governo responde, com muito contorcionismo, que o efeito seria o contrário.