Não sei se se lembra, a coisa foi feita para impressionar, nem tanto para recordar, mas o Governo decidiu, por despacho primo-ministerial, nem mais nem menos ele próprio, que o secretário de Estado da Energia passava a carimbar cada uma das faturas apresentadas a cada um dos serviços públicos pela Endesa. O coitado do ministro do Ambiente ficou de testemunha do arroubo de Costa. Foi prosápia de pouca dura, o édito é de 1 de agosto e logo dois dias depois o gabinete do primeiro-ministro explicou que a decisão estava decidida na base da certeza de que não mudava nada. Era assim como que um pró-forma, peito feito. Creio que ninguém perguntou para que servia então o documento se tudo ficava na mesma, ou pelo menos não me dei conta da resposta a essa magna questão, nesses dias sobrevivi sem televisão, nem sei se o nomeado despachante se dignou explicar em público a honra que lhe era cometida. Ou quantas faturas rubricou, ou se elas chegam em segunda via, se a assinatura é digital ou de caneta, como devia ser em prol da dignidade do Estado, ou se o novo encargo obriga a horas extraordinárias, ou se anula férias, se os sindicatos consentiram e se S. Bento verifica dia a dia esta nova função. Devia. Aliás, o dito secretário de Estado teve o desplante de passar oito dias depois a missão para a entidade respetiva, sinal de franco desleixo em relação à determinação superior. O que se sabe, em contrapartida, é que alguém da Endesa balbuciou, anonimamente mas de modo a ser reproduzido, que o homem da Endesa tinha avisado o secretário de Estado de que ia referir o assunto, quem sabe até se deitar o número redondo, o aumento dos 40% no preço da eletricidade, nisso a fonte não foi muito precisa, o que significa o que se imagina, mas que falaram antes da célebre entrevista parece que sim, não se sabe é o que disseram, e, por mor das dúvidas, a empresa comunicou a todos os seus clientes que não mexia no preço até ao fim do ano. Desconfiados como somos neste cantinho à beira-mar plantado, ficamos com motivos de sobra para temer o pior: o Governo faz o que tem a certeza de ser inútil e até o anuncia com orgulho, fingindo que toma uma atitude dura; a empresa deixa-nos adivinhar que a 1 de janeiro começa outra vida, e um e outra ficam depois à espera que nos esqueçamos do episódio. A silly season já não é o que era, ainda assim tivemos os incêndios, com isso pode-se sempre contar.
Artigo de Francisco Louçã, publicado no jornal “Expresso” a 12 de agosto a 2022
