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A caminho de eleições, eis que o populismo diz “presente”
Em memória de João Bonifácio Serra, 22.4.1949-19.4.2023
Subitamente, há coisa de umas duas semanas, a imprensa começou a falar de um possível aumento das pensões. Ao princípio, a informação era parca, apanhados de surpresa, ninguém se pronunciava e aguardou-se. Momentos assustadores porque, em matéria de pensões, o pano dá para mangas. Depois de um Conselho de Ministros, lá veio então a notícia. Os pensionistas iriam receber o que faltava para cumprir a Lei nº 53-B/2006, de 29 Dezembro e essa reposição acontecerá em Julho próximo. Não penso que o Governo tenha tomado esta decisão movido por um genuíno sentimento de justiça. A medida foi considerada inadiável porque o coro contra a decisão de não cumprir a lei levantou-se desde o pensionista com menor rendimento, passou por personalidades de peso dentro do PS como o ex-ministro da Segurança Social Vieira da Silva, indignou políticos de todos os quadrantes mesmo no interior do PS, levou os partidos a manifestarem-se, as associações de reformados, jornalistas e comentadores políticos. A pressão foi gigante, o próprio Presidente da República se indignou. A verdade é que o PS se mostrou distante e indiferente até que as sondagens começaram a registá-lo em queda livre. Esta viagem desastrosa em parapente sobre a população reformada revelou um profundo desacerto entre eleitos e eleitores. Momento crucial em que o Ministro das Finanças decide abrir os cordões à bolsa, fazendo jus à sua satisfação com o bom desempenho da política financeira. Esta reposição não justifica que embandeiremos em arco, não há motivo. Primeiro, porque o Governo apenas está a cumprir a lei embora com atraso. Depois, porque o receio de que o Governo possa repetir a graça de não cumprir a lei, fica a pairar. Por fim, porque os reformados percebem que a sua dignidade não vale um tostão. Ao Governo não preocupa o respeito pelos reformados, usa-os como e quando quer. Talvez um dia os reformados se levantem contra este jogo. Ao Governo não assistiu muita “imaginação” e ainda menos “coragem” como aconselhava Vieira da Silva. Imaginação precisa-se para rever a lei, fazer-lhe as alterações necessárias de modo a garantir segurança e tranquilidade aos reformados; coragem para adoptar as medidas indispensáveis para que nenhum reformado aufira menos do que o salário mínimo nacional (SMN). Esta revisão, sim, exige coragem porque são muitas as vozes contra. Quantos reformados têm pensões inferiores ao SMN? Não se podem subir porque seria um mau precedente? Não se podem subir porque esses reformados não descontaram? Ah, maldita inveja, pecha nacional. Varra-se essa invejazinha, tenha-se a coragem de ser solidário e proporcionar um resto de vida digno aos mais idosos com menores recursos. Tratar-se-ia de uma intervenção financeira tendencialmente decrescente por razões óbvias. O Estado português não aguentaria uma intervenção desta natureza? Não creio.
Claro, muita gente se indignou pelo não cumprimento da lei mas agora que se cumpre a lei, aqui d’ el-rei, que os pensionistas estão a ser beneficiados, que mais ninguém apanhou assim uma mão cheia de euros. É a tal mediocridade, se eu não tenho, porque hás-de tu ter?! De repente, os pensionistas passam a ser os vilões da história, já não há política, nem justiça, nem estratégia. Deve estar por aí a rebentar uma contra-ofensiva, é melhor que os pensionistas se acautelem para o refluxo. O problema é geral, nenhuma profissão ou carreira é hoje imune à desigualdade e injustiça, a solução tem de ser global, pensada pelos próprios trabalhadores acima de tricas que apenas os enfraquecem. Com doses gigantes de imaginação e coragem.
Com a solução actual, os próprios reformados não poderão estar completamente satisfeitos. Aumentos percentuais sobre patamares estabelecidos só agravam as diferenças e a desigualdade. Não serve, está errado. Não queremos cavar mais fundo as diferenças que nos separam, esta é uma questão que adensa o fosso social, tudo menos convergência. Indispensável uma profunda reflexão para pôr fim a tamanhas assimetrias.
São as sondagens que desencadeiam este timing a que assistimos. Chama-se eleitoralismo. A um ano de eleições europeias é aconselhável pôr as barbas de molho, os reformados são cerca de 3 milhões de portugueses, o seu voto decide uma eleição. Eleitoralismo em estado puro. Mas a desvergonha é muito grande. O PS bate no peito e diz que o grande combate agora é contra o populismo como em 75 foi contra a ameaça do comunismo. Gostaria, com boa vontade, de acreditar que o PS se refere à direita e extrema direita mas, para mim, o combate ao populismo deveria começar no interior do próprio PS evitando medidas eleitoralistas que nos envergonham como colectivo, um recurso político terceiro mundista, desadequado e bafiento.
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