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Calculadora de pactos ou vitória de Pirro

Mesmo com a entrada dos odiosos no Congresso, uma tendência que é preciso travar, é inevitável que por toda a Europa se fale na exceção ibérica. Com uma diferença em relação a Portugal: a geringonça tem maioria, será que Sánchez arranja maioria?

Como se previa, as eleições do vizinho Estado espanhol desembocaram num jogo de Tetris em que o objetivo é formar uma maioria compondo os resultados eleitorais dos vários partidos. As geometrias possíveis são variáveis, de tal forma que o jornal espanhol El País decidiu facilitar-nos a vida com uma “calculadora de pactos” que permite dar asas à aritmética conforme a imaginação do leitor.

Mas é prudente conter o entusiasmo. Na política, a aritmética é outra, mais limitada pela realidade política da Europa e do Estado espanhol. Confirmando a tendência europeia desde o pico da crise, o centrão político está em recuo eleitoral e os partidos que geriram a Europa durante a imposição da austeridade perdem sucessivamente as maiorias absolutas a que se tinham acostumado. A alternância bipartidária já não faz a regra.

A novidade, face às sondagens que dão vitórias a Salvini, Le Pen e Farage em Itália, França e Reino Unido, respetivamente, é que maioria relativa do PSOE não corresponde a um avanço da direita mais extremista. O Ciudadanos de Albert Rivera, que tinha sido o partido mais votado nas autonómicas da Catalunha, perde para os independentistas e falha o projeto de hegemonia da direita espanhola; a extrema-direita do Vox tem um resultado preocupante, mas fica aquém da ascensão meteórica dos seus congéneres europeus; e o PP sofre a maior derrota de sempre e até já começou a lamber as feridas da aproximação à extrema-direita; só fica a faltar o balanço da corrupção.

Não se deve, no entanto, desvalorizar a autocrítica do PP de Casado, sobretudo na semana em que Nuno Melo decidiu dizer que o Vox não é de extrema-direita. Ora, sabendo nós que esse partido saudosista do franquismo defende a construção de um muro em Ceuta, o fim das leis contra a violência de género, a reintrodução da pena perpétua e sistemas de saúde e de proteção social exclusivos para nacionais espanhóis, a questão nem se coloca. Mas, ainda assim, é bom que tenha sido Pablo Casado a elucidar o eurocandidato do CDS sobre a qualidade político-ideológica do Vox.

Mesmo com a entrada dos odiosos no Congresso, uma tendência que é preciso travar, é inevitável que por toda a Europa se fale na exceção ibérica. Com uma diferença em relação a Portugal: a geringonça tem maioria, será que Sánchez arranja maioria? O PSOE tem de encontrar com quem governar ou, pelo menos, uma maioria parlamentar, que está longe de ser uma regra de três simples. Após uma primeira reação do candidato socialista de que “não impomos cordões sanitários”, os militantes do PSOE exigiram medidas higienistas em relação à direita: “Com Rivera, não”.

Tudo levaria Sánchez a olhar para a sua esquerda. Os 14,3% obtidos pela Unidas Podemos de Pablo Iglesias ajudam, mas não chegam. E é aí que se ata o nó górdio desta história, porque os outros vencedores das eleições, com subidas relevantes em votos e lugares, foram os partidos soberanistas, sobretudo da Catalunha e no País Basco.

A Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), liderada por um preso político e candidatando outra mão-cheia deles, conseguiu ultrapassar o Junts por Catalunya de Puigdemont. Oriol Junqueras, em prisão preventiva há mais de um ano e meio, tornou-se o líder do partido mais votado na Catalunha. É um sinal político que não pode ser ignorado, sobretudo quando o Tetris de Sánchez não faz linha sem estes votos.

Para a investidura de Sánchez basta uma abstenção da ERC, mas para a aprovação do Orçamento é preciso uma maioria. Até onde irá o PSOE para obter apoio da ERC? Até à amnistia aos presos políticos, à revisão do estatuto autonómico ou ao início de conversações para um referendo pactuado? Paulo Portas diz que poderá ser a troco de indulto para os presos políticos, mas não há indícios de que os nacionalistas se contentem com isso e, à medida que o julgamento do procés avança, os independentistas alcançam mais votos.

Por enquanto, todas as decisões estão suspensas até 26 de maio, data das eleições europeias, municipais e autonómicas. Mantém-se uma certeza, a de que as feridas políticas e sociais do Estado espanhol continuam a exigir uma resposta democrática. O adiamento de uma solução para o problema da Catalunha, com Madrid em constante acirramento e provocação, é ração que alimenta a extrema-direita. Mas é também o labirinto em que o PSOE se encontra.

Publicado no jornal “I” a 2 de maio de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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