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Brexitar

As chamadas para o centro de informação direta da União Europeia aumentaram exponencialmente nos primeiros três meses deste ano e a razão é o Brexit.

São sobretudo britânicos, mas também alemães, malteses, espanhóis. As chamadas para o centro de informação direta da União Europeia aumentaram exponencialmente nos primeiros três meses deste ano e a razão é o Brexit. Num trabalho realizado pelo Politico, são bem elucidativas as preocupações de quem telefona. Do lado britânico, há o caso do cidadão que estará em Espanha no dia 12 de Abril e pergunta se poderá regressar a casa. As crianças que estarão numa visita de estudo na Alemanha e não sabem o que lhes acontecerá. Há ainda os problemas com os animais de estimação adoptados em outros países da União Europeia. De fora, há as queixas da falta de eficiência no processo. Há os problemas práticos do cidadão que tem um voo de ligação por Londres e não sabe se o deixam embarcar na escala. E há obviamente as inúmeras chamadas sobre qual será a data da saída: 12 de abril? 22 de Maio?

De todas as previsões ou tentativas de previsão sobre o processo, o lado dos problemas práticos de quem vive a incerteza tem sido muito pouco falado. Os exemplos dados pelo Politico não cobrem sequer a incerteza maior e mais angustiante, que é a de que como será o dia seguinte, se houver dia seguinte, de quem vive e trabalha no Reino Unido. Mas, no essencial, os exemplos mostram como tem havido uma total ausência de preocupação de lidar com os problemas concretos das pessoas reais. Por responder ficam sempre as questões do quotidiano para as quais não há resposta e que normalmente não cabem nos discursos oficiais. A integração europeia, mesmo de um país como o Reino Unido, sempre meio-dentro-meio-fora, toca em quase todos os detalhes das nossas vidas, essa é a verdadeira realidade.

As negociações do Brexit têm testado ao limite a paciência de muita gente. A luta pela manutenção no poder colocou a vida interna do Partido Conservador Britânico acima das outras vidas. Uma luta que começou com David Cameron a promover um referendo para evitar a eleição de alguns deputados do UKIP e que continua com Theresa May que parece aguentar qualquer humilhação. Nos corredores do Parlamento converso com vários colegas britânicos. As suas preocupações já há muito ultrapassaram as dúvidas sobre a saída. O que se perguntam é se deste caos sairá alguma oportunidade. Uma delas espera a oportunidade de demonstrar que a democracia representativa britânica nunca o foi e eis que chega hora de refundá-la. Outros esperam que finalmente se abra a porta à reunificação da República da Irlanda com o Norte da Irlanda para evitar as consequências mais do que indesejáveis de uma violação do acordo de paz.

Enquanto nos entretemos nos detalhes burocráticos é bom que se perceba que, seja qual for o resultado deste processo, muito do seu sucesso dependerá da capacidade de resolver as pequenas e as grandes questões. E, como já dizia quem sabe, prognósticos só mesmo no fim do jogo.

Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” a 6 de abril de 2019

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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