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BPN, uma história sem inocentes

A única coisa nova nas palavras de Durão Barroso é ficarmos a saber que, também ele, ouviu e calou.

Começo por dizer que não dou grande valor às palavras de Durão Barroso sobre o BPN, sejam elas falsas ou verdadeiras, averiguação que também não me motiva. Digo isto porque as palavras de Durão Barroso não acrescentam nada ao que já sabemos sobre a história do BPN: primeiro, que o gangsterismo financeiro instalado no BPN foi obra de destacadas figuras do PSD e, portanto, estranho seria que Durão Barroso - ele próprio um PSD de topo - não conhecesse os zum-zum que circulavam à época; e, segundo, porque está mais que demonstrado que o BdP e, portanto, Vítor Constâncio, não fizeram o que deviam e podiam ter feito para pôr cobro a tempo e horas ao que ali aconteceu.

A única coisa nova nas palavras de Durão Barroso é ficarmos a saber que, também ele, ouviu e calou. Aliás, até podemos dizer que ou as explicações ou os silêncios de Constâncio o convenceram a ficar calado, o que, convenhamos, não lhe fica nada bem, embora possa invocar em sua defesa a atenuante de não ter sido o único. Não lhe teria sido difícil fazer chegar essa informação à comissão parlamentar de inquérito.

É por isso com espanto que assisto ao frenesim que tomou conta de algumas figuras da maioria de direita - sim, estou a falar de Nuno Melo e de Duarte Marques - que desataram a fazer perguntas a este e aquele, em Portugal e na União Europeia, supostamente para esclarecerem as "novidades" dadas por Durão Barroso. Não é minha pretensão acalmar tão efervescente curiosidade mas, talvez, haja uma forma mais expedita de a satisfazerem: por que não perguntam ao Dr. Rui Machete? É ministro do governo que apoiam, é conhecido por prestar esclarecimentos que primam pelo rigor e amor à verdade e, ainda por cima, esteve dez anos à frente do conselho superior do BPN/SLN, enfim, alguma coisinha deverá ser capaz de explicar.

Há certamente muita coisa nebulosa e por conhecer em toda a história do BPN. Mas há, igualmente, certezas que nenhuma especulação pode iludir ou adulterar: um, sendo um caso de polícia, o que não faltou foi cumplicidade política; dois, no BPN foram apontados os culpados, a culpa pode não morrer solteira, é necessário garantir que os julgamentos são feitos e chegam ao fim; três, os ladrões beneficiaram da negligência do polícia mas isso não autoriza ninguém a culpar o polícia e desculpar o ladrão.

Claro que fica sempre a pergunta: o que levou Durão Barroso a quebrar um silêncio de doze anos? Por estes dias, não faltam respostas a esta pergunta, até Freud é chamado a explicar o comportamento de Barroso. Dizem alguns que Durão Barroso tem contas a ajustar com Constâncio, outros acham que Barroso pretendeu marcar distâncias do BCE. Pode ser mas julgo que a explicação é mais simples: Barroso, membro destacado da elite laranja, tem má consciência relativamente ao BPN e à grande proximidade do PSD ao que ali se passou. Barroso quis apenas distanciar-se daquela nódoa que ensombra a família PSD, como quem diz não fui eu, não sabia de nada, o que ouvi até disse a quem de direito. Pode dar jeito, a dois anos das presidenciais mas é uma tentativa falhada de reescrever a história.

Artigo publicado no jornal “Expresso

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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