Bolsas: a realidade insuportável

porJosé Soeiro

29 de janeiro 2011 - 0:00
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No total, cerca de 40 mil estudantes podem vir a perder a bolsa.

Afinal, a realidade é pior do que a mais pessimista das expectativas. Esta semana, começam a ser conhecidos os primeiros resultados da aplicação das novas regras das bolsas. No Minho, onde os resultados já saíram, mais de 20% dos estudantes perderam a bolsa. 800 já não vão receber nenhum apoio e seriam 1500 se não houvesse regime transitório (num total de 4000). Os Serviços de Acção Social falam no abandono de 500 alunos por razões económicas só nesta universidade e o Conselho Geral já fez um comunicado alarmante em que exprime a sua preocupação.

No Politécnico do Porto, os dados disponíveis apontam para 40% dos estudantes que perdem bolsa. Na Universidade do Porto, 30% dos estudantes ficam sem qualquer apoio com as novas regras. E por aí fora… A razão é quase sempre a mesma: “excesso de rendimento da família” – pessoas que teriam direito com as regras anteriores, transformaram-se em ano de crise em “excessivamente ricas” dadas as novas regras. No total, cerca de 40 mil estudantes podem vir a perder a bolsa.

No que diz respeito ao regime transitório, as notícias não são melhores. 44 mil estudantes que tinham direito a bolsa no ano passado passaram a receber 98 euros por mês ao abrigo deste regime. É um valor baixo e provisório, até saírem os valores definitivos, que só permite aos estudantes o mínimo dos mínimos, que é basicamente pagar a sua inscrição. Mas aqui há uma questão mais grave. O Ministro tinha garantido na Assembleia da República (no final de Outubro) que, quando saíssem os resultados definitivos, estes estudantes não teriam de devolver o que já tinham recebido. Mas verifica-se que isso era mentira. Centenas de estudantes já foram notificados para devolver o dinheiro que receberam desde Outubro mas que já gastaram para sobreviver (é o caso de 680 alunos da ESEC, em Coimbra). Como? Porque o regulamento de bolsas abre de facto essa possibilidade.

Depois, há o eterno filme dos atrasos. Este regulamento foi apresentado como um dispositivo legal high-tech, que iria desburocratizar e simplificar de tal modo o processo que os requerimentos seriam analisados em dias. A verdade é que já passou Outubro, Novembro, Dezembro, Janeiro está a chegar ao fim e o Governo diz que, em princípio, até ao fim de Fevereiro os resultados sairão. O atraso do Ministério a publicar o regulamento e as normas técnicas foi tão grande que deixou os serviços de acção social entupidos e com milhares de processos, numa altura em que ainda estavam a tentar adaptar-se às novas regras.

Por último, há o recuo da direita na Assembleia da República. Em Dezembro, aprovou-se na generalidade a retirada das bolsas do decreto 70/2010 sobre os apoios sociais. É uma proposta que levanta problemas de solidariedade e justiça relativa, mas era uma boa notícia para os estudantes do Superior. Só que o PS ameaçou com a lei-travão e a inconstitucionalidade de despesas não inscritas no Orçamento de Estado, lembrou os compromissos do PSD no âmbito do PEC, PSD e CDS puseram o projecto a marinar na Comissão à espera de uma extensa lista de audições para a discussão na especialidade e, na prática, nada disso terá efeito este ano, dado o adiamento deliberado deste processo e o mais certo é que não venha a ter nos anos seguintes.

Este fim-de-semana, reúnem simultaneamente os dirigentes das associações de estudantes, em Lisboa, e os responsáveis dos serviços de acção social, em Coimbra. Ao mesmo tempo, há protestos marcados para o dia 10 de Fevereiro, em frente às reitorias, para contestar as escolhas do Governo que excluem milhares da acção social. Só daqui pode vir alguma mudança: da exigência e da resposta do movimento estudantil.

José Soeiro
Sobre o/a autor(a)

José Soeiro

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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