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Bem vindos à outra metade da humanidade

A igualdade de género está longe de ser assumida nas lideranças europeias. Mais do que um direito de igualdade total é usada como uma conveniência. Foi esse o caso aquando da decisão do Conselho de nomear Ursula von der Leyen para a Presidência da Comissão.

Estávamos quase no final da votação da presidência da Sub-Comissão de Direitos Humanos no Parlamento Europeu quando, num tom provatório, um colega da extrema-direita pediu que a votação fosse suspensa, perguntando: “onde é que está a igualdade de género?”. Esta semana todas as comissões parlamentares elegeram as suas lideranças. O facto que deu azo à ansiedade do colega de extrema-direita foi a eleição de quatro mulheres quando já só faltava eleger um lugar, que viria a ser preenchido por um homem. Este não é um episódio nem caricato, nem vazio.

As eleições que decorreram para as presidências das comissões parlamentares em Bruxelas são um sinal evidente do que ainda não se percebeu, ou não se quer perceber, sobre a igualdade de género. Diz o regimento que as presidências têm de ter homens e mulheres, não especificando em que termos. Feita a leitura final, os resultados mostram que, muito mais do que uma incapacidade de levar a igualdade de género a sério, estamos numa fase de perigosa naturalização, ou até mesmo de recuo. Três Comissões ficaram com quatro mulheres na liderança e apenas um homem. Além da de direitos humanos, que já referi, a de Direitos das Mulheres e a da Protecção dos Consumidores. Já Comissões como Negócios Estrangeiros ou Emprego tiveram de suspender a votação antes da última vice-presidência porque nenhum dos grupos parlamentares apresentou uma mulher para qualquer um dos cargos. A Comissão de Assuntos Económicos e Monetários elegeu apenas uma mulher para o colectivo. Não consta que tenha havido protestos da extrema-direita pela ausência de igualdade de género nesta comissão. Os protestos que houve foram pela eleição de um vice-presidente da Esquerda.

A primeira evidência é que a questão central da igualdade de género não é matéria de contabilidade, é mesmo uma questão de poder. Parece não perceber-se, ou não querer perceber-se, que a igualdade de género é uma questão política. Não estranha, por isso, que a divisão de trabalho entre homens e mulheres seja de uma previsibilidade tão atroz. Mulheres, direitos humanos e consumo são mesmo coisas de mulheres, porque entendidas como vazias de política. Já as restantes são questões “sérias” e, por isso, para homens.

A igualdade de género está longe de ser assumida nas lideranças europeias. Mais do que um direito de igualdade total é usada como uma conveniência. Foi esse o caso aquando da decisão do Conselho de nomear Ursula von der Leyen para a Presidência da Comissão. Não havendo mais nenhuma razão que justificasse tal nomeação, os líderes agarraram-se ao facto de ser uma mulher, ainda que com uma agenda conservadora e com o apoio inequívoco dos líderes dos países que mais têm feito recuar os direitos das mulheres, como os da Hungria ou da Polónia. Temos ainda um caminho longo pela frente para que a igualdade seja mesmo um direito. Ninguém fará esse trabalho por nós.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” em 13 de julho de 2019

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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