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Banquete Banif

Se há quem defenda que parte do sector público gere mal a economia, todos estamos cansados de saber como parte do sector privado gere as finanças: com a assinalável eficácia de quem liquida para ganhar.

[Nota prévia à ementa: quando António Costa referia, em meados de Outubro, ter conhecimento de questões de grande gravidade económica (que apelidou de "surpresas desagradáveis") nos dias de negociação pós-eleições com a coligação de direita, estava a referir-se às "omissões gravíssimas sobre a real situação financeira do país" ou a algo mais concreto que, como disse, "infelizmente os portugueses hão-de saber"? Convinha esclarecer se, nessa altura, a situação do Banif já foi abordada.]

Antecipando o Natal, sentaram-se à mesa do banquete Banif uns quantos apóstolos e vários Judas. Desde que, há três anos, foram injectados 1100 milhões de euros do erário público no banco, Judas Iscariotes incarnou em vários protagonistas de um quadro dantesco pintado antes da última ceia. Se a comida requentada - servida nas últimas eleições pelo voto popular - alimentou dúvidas demagógicas e patéticas sobre o vencedor e a legitimidade do poder, sabemos agora quem perdeu: uma vez mais, a esmagadora maioria dos portugueses, excluídos das transacções bancárias e das comissões, aqueles que não sonhavam ser possível que um presidente, primeiro-ministro, ministra da Finanças e governador do Banco de Portugal, todos refugiados nos seus interesses particulares, pudessem ocultar a situação catastrófica de um banco que, à sua velocidade, mais se assemelhava ao lugar do morto de um veículo para abate.

A ex-coligação de Passos Coelho perdeu a legitimidade para acertos de contas. Acabou-se o tempo para os bicos de pé e para caminhar com a cabeça levantada. Varreram o lixo para debaixo do tapete sem sacudir uma ponta. O caminho foi trilhado sem direcção assistida, sem pudor, num dispendioso embuste colectivo, sem-vergonha, criminoso pela acção e pela omissão. Assinaram, assim, o período de tréguas eleitorais de que o Governo PS até aqui não dispunha.

Se os contribuintes irão pagar, uma vez mais, a inqualificável gestão danosa de mais um banco privado, que não paguem "apenas" mais 2200 milhões de euros. Os contribuintes podem desembolsar mais uns trocos e patrocinar uma acção do Estado contra quem caminhou durante anos na cortina de fumo. Como é evidente, ninguém morre pelo susto, até porque já há tipicidade. Da mesma forma e com semelhantes contornos e protagonistas: BPN, BES, BPP, BANIF, uma só casa-de-jogo ou casino de especulação, burla, abuso e gestão danosa. Se há quem defenda que parte do sector público gere mal a economia, todos estamos cansados de saber como parte do sector privado gere as finanças: com a assinalável eficácia de quem liquida para ganhar.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 23 de dezembro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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