Autonomia de desresponsabilização

porAntónio Lima

08 de junho 2023 - 23:00
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Quem ouvisse Bolieiro no Dia dos Açores e não conhecesse a nossa história e o que é a Autonomia dos Açores, concluiria que ele estava pronto a entregar a chave da gerência dos Açores a António Costa e ao Governo da República.

O Dia dos Açores é o dia por excelência para valorizar a Autonomia, as nossas nove ilhas e principalmente o povo que nelas habita.

Todavia, os responsáveis políticos não se ficam, nem podem ficar, pelo enaltecimento dos Açores. Têm de afirmar o que querem para os Açores.

Foi por isso confrangedor ouvir, ou melhor, não ouvir o Presidente do Governo Regional a falar sobre a sua visão e as propostas do governo para resolver os problemas dos Açores.

José Manuel Bolieiro optou por dedicar todo o seu discurso ao Governo da República (GR) e às suas responsabilidades, sem uma linha sobre as competências e responsabilidades do Governo Regional dos Açores (GRA).

Há muitas razões de queixa do GR, em várias áreas. Atrasos, como as obrigações de serviço público de transporte aéreo entre os Açores e o continente; incumprimentos como com o financiamento da Uaç; atrasos de décadas da responsabilidade de sucessivos governos, como o Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada. Estas e muitas mais sobre as quais se exigem soluções.

Mas nenhum desses incumprimentos liberta o GRA das suas responsabilidades políticas para com os Açores. E no dia dos Açores o Presidente do GRA não pode deixar de falar das suas responsabilidades. Seja a enorme dificuldade no acesso atempado à saúde. Seja a crise na habitação que deriva do aumento dos juros, das rendas e da especulação e da conversão de cada vez mais casas em AL. Seja o aumento do custo de vida e o empobrecimento da maioria das pessoas.

Ao abdicar de falar dos seus poderes e das suas responsabilidades, o Presidente do GRA diminuiu a Autonomia. Colocou-a ao nível de uma entidade administrativa que só pode apelar ao Terreiro do Paço. Ironicamente, criticou ao mesmo tempo - e bem - o GR por ter incluído as Regiões Autónomas no Conselho de Concertação Territorial, ao mesmo nível do que as CCDRs do continente.

Quem ouvisse Bolieiro e não conhecesse a nossa história e o que é a Autonomia dos Açores, concluiria que este estava pronto a entregar a chave da gerência dos Açores a António Costa e ao GR. Diz Bolieiro que isso é “Autonomia de Responsabilização”.

Depois de uma longa intervenção no dia da Região, sem uma palavra sobre as suas responsabilidades e sobre a forma como as pretende assumir; depois de uma entrevista em direto no Telejornal da RTP/Açores, mais uma vez sem uma palavra sobre as suas responsabilidades, o presidente do GRA depois de todas estas oportunidades, lembrou-se de fazer uma declaração à RTP/Açores - vai-se lá saber em que contexto - para anunciar que irá abandonar as obras de requalificação do centro de saúde das Lajes do Pico. Onde e quando? Não diz.

Parece que terá sido demasiado escandaloso Bolieiro ter passado um dia e uma noite sem uma palavra à população e aos profissionais que trabalham num edifício que nem para armazém serve - e que ficava a poucos metros do local das comemorações - e alguém terá lembrado Bolieiro que é chefe do GRA e que de vez em quando tem de falar dos problemas que são da sua responsabilidade.

Tenho uma novidade para Bolieiro: há muitos açorianos e açorianas que esperam soluções em áreas da sua responsabilidade. É preciso que o GRA assuma também as suas responsabilidades.

António Lima
Sobre o/a autor(a)

António Lima

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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