Temos um elefante chamado inflação na sala. O governo chegou-se a ele, arrimou-se, inamovível como o paquiderme. Levantam-se as vozes por causa do problema. Só as do governo ou do partido que o suportam ou das entidades patronais concordam com a posição governamental de entalar funcionários públicos e pensionistas. Não me ocorre outro termo que não seja entalar: entre governo e representantes do capital, para onde foi o socialismo? Talvez se ponha fim, assim, àqueles que sempre acharam que os funcionários públicos nadavam em privilégios. Os sociais-democratas ainda que não concordem abertamente com o governo vão deitando alguma água na fervura ao aceitarem que, pese embora a dificuldade da situação, não conseguem ver alternativa. A inflação manda, e o desfile de gente que efectivamente não sente o problema é interminável. Muitas vezes para adensar o cenário já nem se incomodam a referir os pensionistas. Falam, sim, do aumento (!) de 0,9% para os funcionários, lamentam a situação, mas é assim, adiante.
Não estou interessada nos argumentos que justificam o aumento insultuoso de 0,9% ou nos 10€ que os pensionistas com pensões até aos 1108€/mês vão receber. Na realidade, até sinto náuseas ao referir estes números. Os funcionários públicos já levam uma perda de salário na ordem dos 13% desde os idos de 2010; os reformados que recebem qualquer coisa como 250€/mês, continuarão a sentar-se a uma mesa bem mais escassa que farta. E é isto que verdadeiramente está em causa. Todas as justificações que o governo propala não tiram os portugueses da pobreza, da tristeza das suas vidas e dos seus. Nascer e morrer na pobreza, não ambicionar nem sonhar. Perpetuar as incertezas. Sem expectativa, sem futuro, sem segurança, eis o menu do governo socialista. Qualquer justificação é desadequada, um insulto. Mau grado as promessas, mesmo que se realizassem, quem está nestas condições não vive e não pode esperar. Não por impaciência, mas porque não dispõe de tempo.
Reformados, pensionistas, funcionários públicos. Também os desempregados ou os precários. Todos quantos têm sido massacrados vão enfrentar mais este tsunami, agora vestido de socialista
Apertar onde?! Inevitavelmente, onde mais dói. Na alimentação, na saúde, nas condições físicas da casa ou do quarto. Todos aqueles que falam do combate à inflação como um mal necessário custe o que custar, por acaso, vão cortar na ida ao restaurante gourmet, na assistência médica privada ou no aquecimento das suas casas? Não vão, nem imaginam como haveriam de fazer. Vivem numa bolha, não veem nem ouvem. Escutam-se uns aos outros, entre eles tudo está esclarecido. Ora, a bem da credibilidade socialista, terão necessariamente de parar, escutar e olhar. Há políticos e comentadores que não poupam o OE, ouvimo-los e apoiamo-los, claro, mas há aqui um nó que não se desata nos gabinetes, no Parlamento ou nos media.
A dita inflação, são os portugueses que a criaram, que a insuflam? Não, a inflação crescerá qualquer que seja o nosso esforço porque ela resulta em grande parte da conjuntura internacional. Em vez de pretender reduzir a procura, ajudando a suavizar a inflação, o governo deveria equacionar uma alternativa que passasse por reduzir as receitas. Dizem economistas da área socialista, mormente Paulo Trigo Pereira, que isso seria bem possível o que, portanto, daria margem ao governo para rever o aumento dos funcionários públicos para o dobro do prometido e reanalisar a pensão de 250€+10€. Esta relação directa menos procura, menor inflação, esta causa-efeito não é ciência exacta, poderá acontecer mas também não. Reduzir a procura parece-me um desígnio cruel, uma fórmula hipócrita. Qual procura? Com 250€ do dia 1 ao dia 30 de cada mês, que diabo de procura é que um português faz?! Há muito tempo que não faz e continuará sem fazer venham ou não os 10€; e um funcionário público (com vencimento até aos mil e qualquer coisa mensais) lá terá de usar a sua imaginação para procurar alguma coisa mais em que gastar o seu aumento… brinca-se com o fogo enquanto se nos esgota a paciência com palavras e trocadilhos. Os discursos tornam-se impenetráveis, confiante na maioria absoluta, a comunicação piorou a olhos vistos.
E para agravar o debate, diz-se, e o seu contrário, que isto não é austeridade, é equilíbrio das contas públicas. Claro que é austeridade. Terá outras razões, outros intérpretes mas os visados com a bernarda, chamem-lhe o que lhe quiserem chamar, são os mesmos. Reformados, pensionistas, funcionários públicos. Também os desempregados ou os precários. Todos quantos têm sido massacrados vão enfrentar mais este tsunami, agora vestido de socialista.