A clarificação da mensagem em tempos de desinformação ou contra-informação é uma das melhores formas de responder, como o teórico da comunicação Paul Watzlawick bem decifra, à pergunta sobre se a realidade é real. Ao contrário da esmagadora maioria da opinião que se ouve e lê, os cartazes da polémica do PS são as melhores peças de comunicação de António Costa desde que assumiu a liderança do partido. Se não fossem actos falhados. E não me refiro ao messiânico cartaz de Edson Athayde. Os outdoors onde pessoas "anónimas" expõem, em discurso directo, a precariedade dos recibos verdes, o flagelo do desemprego e a farsa travestida de escolha da emigração são uma tentativa (finalmente) clara do PS e limpa de ruído de dizer a verdade sobre o legado de governação da coligação Passos/Portas na legislatura que agora finda. Como os cartazes anunciam, "não brinquem com os números, respeitem as pessoas". Infelizmente nem os números batem certo, nem o PS conseguiu respeitar sequer algumas pessoas da Junta de Freguesia de Arroios. Podia ter sido tudo perfeito. Mas falhou o essencial da mensagem: os números e o respeito.
A saída de cena de Ascenso Simões, director da campanha do PS para as legislativas, impunha-se. Após os cartazes de Vítor Tito, publicitário portuense que terá pensado que a Junta de Freguesia de Arroios de Margarida Martins era controlável à distância em assimetria à relação turbulenta de (não) proximidade com a Câmara do Porto de Rui Moreira, a Ascenso Simões não restava outra alternativa. O novo homem forte, Duarte Cordeiro, vereador da Câmara de Lisboa em prova de esforço ou comissão de serviço até 4 de Outubro, tem uma missão impossível ou comparável filme com várias sequelas pela frente e nunca poderá ter cartazes tão bons como os de Vítor Tito. Caminhará de braço dado com um Athayde pós-messiânico mas já não ousará dizer a verdade nua e crua dos números. Porque, a partir de agora, ninguém acredita nos números que o PS anuncia sem fazer uma pesquisa avançada no Google.
Os outdoors do PS anunciavam cerca de 250 000 trabalhadores a recibos verdes: o movimento dos "Precários Inflexíveis" apontam para 800 000 pessoas a trabalhar na precariedade; os números da emigração serão próximos dos 500 000 mas o cartaz (ainda que não colado) com os números do desemprego que remetem à legislatura de José Sócrates não lembra ao mais vingativo António José Seguro. Pelas alminhas, entendam-se. O problema não está em utilizar a imagem de pessoas que não estão a passar pela situação que relatam (o que se diria se o PS expusesse casos reais e dramáticos em outdoor?), o drama é não lhes terem pedido permissão para serem o rosto visível daquela propaganda (e, como se não bastasse, repleta de números erróneos). O absurdo é a ausência de cuidado, de comunicação, de acerto. O disparate é a negligência e a impreparação com que reputados profissionais da publicidade e da política tratam as pessoas. Como tratam do país. Como se lidassem com números sem significado ou importância, como publicidade enganosa, como se "vale tudo" fosse o slogan para o futuro de Portugal.
Décadas atrás, um anúncio televisivo fazia furor e era tão viral quanto a dimensão da viralidade da televisão daqueles anos permitia ser. A cola "Araldite" publicitava uma força tão grande e revolucionária que - assegurava - "até cola cientistas ao tecto". E recordamo-nos vagamente da imagem, aquele cientista patético de pernas para o ar, colado ao tecto numa rajada de fixação fulminante, tábua rasa sobre o entendimento que Isaac Newton tinha da gravidade e que (com a noção de força) estaria na origem das três leis fundamentais da mecânica clássica. O anúncio, reproduzido em parte ou semiplagiado pela "Super Cola 3", encostou-se aos melhores "sunsets" (eis o momento em que me devolvo à contemporaneidade veraneante) da nossa memória colectiva, como tanta outra publicidade que ousava furar o politicamente correcto e o convencional. Por vezes (vide "Restaurador Olex" que prometia devolver ao cabelo a sua cor primitiva) bastava olhar pelo lado do absurdo e a mensagem já fazia um figurão.
Tal como nos cartazes do PS, não é tanto a dimensão da verdade da mensagem que ameaça colar os socialistas ao Largo do Rato, impedindo-os de ganhar as eleições de 4 de Outubro e de formar Governo. É sobretudo a ideia que fica acerca da sua inépcia para lidar com a verdade que existe a olhos vistos e que nem sequer se recomenda, a par da apetência suicida (e quase risível) de António Costa, político experiente, ao permitir que lhe continuem a dar sucessivos tiros nos pés.
Artigo publicado na edição do Jornal de Notícias de 11 de agosto de 2015.
