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Até ao infinito e mais além

É essencial um olhar para as questões de fundo que o crescimento desordenado do turismo levanta nos Açores.

Aproxima-se mais uma época alta e já se fazem as contas do costume acerca dos números de dormidas, de passageiros desembarcados e outros números, despertando o interesse a quem gosta de estatística e de economia e principalmente de quem tem interesses no setor.

Avaliar e planear o setor do turismo, como outro qualquer, não significa apenas olhar para o dia-a-dia e para os indicadores trimestrais. Implica perceber as dinâmicas de fundo e as suas consequências na economia e na sociedade como um todo.

É essencial um olhar para as questões de fundo que o crescimento desordenado do turismo levanta nos Açores.

Recentemente, tive conhecimento, através de resposta do governo regional a um requerimento do Bloco de Esquerda, de um conjunto de dados que constituem um importante contributo para uma avaliação mais detalhada do que é o presente e do que se antevê para o futuro mais próximo na região no que ao setor do turismo diz respeito, assim como aos impactos sociais do mesmo.

Soubemos, por exemplo, que o número de camas em Alojamento Local (AL) nos Açores é surpreendente, principalmente se comparado com o número de camas na hotelaria tradicional: 18.080 camas no AL e 13.624 na restante hotelaria.

Apenas em Sta. Maria, Graciosa e Corvo o número de camas em AL não supera o número de camas na hotelaria tradicional. Se em São Miguel reina a lei da selva do mercado, não existindo qualquer limitação ou condicionamento ao crescimento do número de camas de qualquer tipologia, nas restantes ilhas onde o famigerado Plano de Ordenamento Turístico (POTRAA) ainda subsiste, o AL foi utilizado como forma de contornar os limites ao número de camas existente com a conivência de sucessivos governos.

Assim, não foi preciso suspender o POTRAA nas restantes 8 ilhas, como se fez para São Miguel. Em vez de hotéis, fazem-se ALs e o crescimento pode ser infinito.

Quando o atual POTRAA foi criado, o AL era praticamente inexistente. Entretanto tomou proporções astronómicas e a legislação ficou na mesma.

Mas o aumento da oferta não fica por aqui. O número de camas de licenciadas a nível municipal e já com parecer favorável na Direção Regional do Turismo é de 6.777! E este número não inclui o AL.

O impacto deste crescimento ilimitado no território pequeno e frágil que são as 9 ilhas dos Açores é difícil de prever.

Um dos impactos mais evidentes é que o alastramento desordenado do AL é a retirada de milhares de habitações do mercado. Seja do mercado de arrendamento, seja do mercado de compra e venda, diminuindo assim a oferta e contribuindo para a escalada dos preços e para a crise da habitação.

E qual é o limite para esse crescimento do AL? Que soluções para a habitação quando haverá sempre maior incentivo para transformar casas em AL do que ao contrário? O Estado tem um papel central na criação de habitação pública, mas não é credível que responda a todas as necessidades, muito menos no curto e médio prazo.

Regular o crescimento desordenado com efeitos perniciosos noutras áreas, como na habitação, é não só urgente, como deveria ser um imperativo de quem defende o mercado e o seu funcionamento.

O problema é que a “economia de mercado” não se importa que os mercados funcionem mal, desde que quem detém o poder económico esteja a ganhar com isso. E não há dúvidas que há quem esteja a ganhar, para prejuízo da maioria.

Quem perde, por não ter qualquer capacidade de influenciar esses mercados, é mesmo quem procura casa e não encontra uma que consiga pagar.

Ao mesmo tempo que esse problema se alastra, anuncia-se crescimento e vende-se a ideia de que isso é desenvolvimento.

Sobre o/a autor(a)

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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