Aprender com Jorge Leite

porJosé Manuel Pureza

08 de julho 2019 - 10:11
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O balanço da legislatura far-se-á só quando ela terminar porque até ao lavar dos cestos é vindima. Mas os sinais de que ela pode terminar sem retirar da legislação laboral as marcas rudes nela deixadas pela violência social da troika são claros.

Terá sido uma oportunidade deliberadamente perdida para repor equilíbrios sociais básicos através do afastamento dos mecanismos que comprimem a contratação coletiva e o princípio básico do tratamento mais favorável ao trabalhador e para expurgar da lei tantas nomas amordaçantes do trabalhador.

É uma escolha carregada de significado política de quem, podendo, prefere não mexer na lei laboral para conseguir a simpatia do patronato. Teria sido essencial que tivessem escutado o recado humanista de Jorge Leite. Que percebessem na sabedoria e no sentido de justiça do seu magistério e da sua vida um desafio à conformação da nossa sociedade por regras de equilíbrio e de respeito pelo trabalhador.

Sim, é tão simplesmente de respeito humano elementar que se trata. Uma lei que permite a um patrão inscrever no contrato de trabalho que o trabalhador presta serviço onde quer que seja no território nacional e depois logo se vê; uma lei que impede que o trabalhador que recebeu a retribuição a que tem direito possa, por isso, impugnar o seu despedimento injusto; uma lei que permite ao patrão mandar o trabalhador gozar férias nos dias que antecedem o despedimento, uma lei assim cauciona a humilhação do trabalhador, falta-lhe ao respeito e institui a falta de respeito como lei.

Quem aprendeu com Jorge Leite, aprendeu esse princípio superior de que o Direito do Trabalho, sendo fundado na proteção da parte mais frágil, é-o por respeito fundo para com quem só tem a sua força de trabalho para se fazer valer. É esse imperativo ético, que é anterior à lei e que ela serve (ou se recusa a servir), que Jorge Leite vincou sempre. O mesmo imperativo ético que Jorge Leite sempre invocou para denunciar a obscenidade que é um administrador ter um salário centenas de vezes superior ao do trabalhador da sua empresa.

Moralismos, dizem com desdém os cínicos do costume. Pois é, é esse sentido ético firme que faz do pensamento de Jorge Leite um engulho para os que põem a produtividade, a competitividade, o equilíbrio das contas ou o desequilíbrio das forças antes do respeito pelo trabalhador.

Artigo publicado no diário “As Beiras” a 6 de julho de 2019

José Manuel Pureza
Sobre o/a autor(a)

José Manuel Pureza

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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