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Apelo especial

Se o nosso primeiro-ministro está tão interessado em dialogar e almejar a paz social, por que não ouve mais?

No início desta semana, Passos Coelho dirigiu-se à sua família partidária para o discurso da já habitual Festa do Pontal. Foram muitas as coisas ditas por Passos Coelho, mas houve uma que me prendeu mais a atenção: o “apelo especial”. Este apelo foi dirigido aos parceiros sociais, em particular os sindicatos, para que estes não enveredassem pelos caminhos da conflitualidade. Pode deduzir-se, portanto, que Passos Coelho está preocupado com a paz social.

Este apelo tem tanto de ilegítimo quanto de contraditório. Vamos por partes. É um apelo ilegítimo porque converter os sindicatos em instrumentos de consenso é retirar-lhes a própria razão de existir. Que espera Passos Coelho deles, afinal? Que calem e não contestem? As revisões sucessivas das leis laborais têm sido feitas contra os trabalhadores. No seu entender, os sindicatos devem calá-las. As medidas até aqui anunciadas pelo governo têm atacado sobretudo os trabalhadores. Mais uma vez, os sindicatos devem calá-las. Esta é a visão de quem entende que o debate, a diferença de opinião e a reivindicação são males da democracia e que o consenso é a raiz de todo o bem. Pois, a resposta para ambos os pressupostos é um rotundo não. É precisamente na diferença de opinião que reside a vitalidade e a força de uma democracia.

É um apelo contraditório porque pede diálogo e oferece monólogo. O desrespeito a que têm sido votadas as reivindicações dos sindicatos nos últimos anos raia agora o desprezo. E continua-se-lhe a chamar “diálogo”. Se o nosso primeiro-ministro está tão interessado em dialogar e almejar a paz social, por que não ouve mais? Ouviu os apelos à criação de emprego? Não, ignorou-os. Ouviu os apelos ao combate à precariedade? Nada o confirma. Ouviu as reivindicações para não atacar os direitos sociais e para não empobrecer mais as famílias? Também não parece que as tenha escutado. Se assim é, como espera Passos Coelho que os sindicatos ouçam o seu “apelo especial” e não contestem nenhuma das suas decisões?

Há muitas formas de procurar a paz social. Fazê-lo à custa do silêncio dos agredidos não é seguramente uma delas.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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