Face à dispersão da representação parlamentar decorrente das eleições legislativas de 6 de Outubro, e sabendo-se que nunca antes tantas forças políticas se sentaram e coabitaram no Parlamento, uma das dúvidas em assalto no fim da noite eleitoral - assim que se confirmou a eleição dos deputados do Livre e do Chega, últimos da noite - foi onde se sentaria o deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo. Escrevi-o, sem pensar que daria lugar a uma curta-metragem com excessos de novela.
Por norma, as pessoas deveriam poder sentar-se onde querem e bem entendem. Não por chegarem primeiro, como os estudantes adolescentes em viagens de estudo que se pelam vivos pelos lugares lá do fundo do autocarro, atropelando-se em correrias arrebatadas em pista única num corredor estreito. No Parlamento há regras. E excepções à medida do PAN, dir-me-ão com razão, que viveu em solidão frontal à custa da bonomia dos outros durante quatro anos. Entre os novos partidos parlamentares e os adolescentes em passeio, há uma só coisa em comum: ninguém quer ficar para trás. Quanto à primazia, nenhum dos novos deputados admitia outra coisa que não fosse ficar bem pertinho do condutor, lugar de primeira fila, ignorando que para já não têm um grupo para assobiar em uníssono. Assim, sem direito sequer a observar em conferência, acusam Ferro Rodrigues de favorecimento da tradição, à laia de "senhor chauffeur" que não fez favor de acelerar para atalhos na sua proposta de distribuição de lugares.
À frente ou mais atrás, é a lógica de vizinhança que está em causa naquele condomínio 230. A conferência de líderes (líderes de grupos parlamentares, pressuposto) não desfez o amuo de quem vem de novo e fez o que tinha de ser feito. Aos seus lugares, os grupos parlamentares. Aos vossos lugares, os "deputados Lucky Luke", cavaleiros solitários. Aparentemente, só o deputado da IL sente que não está na melhor companhia. Sinal de que já não estamos longe. A forma como os novos partidos com representação parlamentar vêem o seu lugar próprio no hemiciclo diz bem da leitura táctica e do conteúdo com que se julgam olhar ao espelho. O conforto dos deputados do Livre e do Chega face aos seus vizinhos (PCP e PS, no primeiro caso e CDS, no segundo) corresponde ao espírito com que foram eleitos e à percepção geral do seu processo de identificação. Já no que diz respeito à IL que gostava de se ver ao centro, longo será o caminho que terá de encetar para nos convencer que - lá por terem nas suas fileiras alguns liberais em costumes - se devam anular ideologicamente ao ponto de partilharem o adesivo da pós-ideologia com que o PAN nos quer, infelizmente, continuar a brindar. Aqui para nós, o lugar para onde a IL foi remetida, ainda que a contragosto, terá sido o maior favor que lhe podiam fazer. Quando deixarem cair a "Iniciativa" e se assumirem como "Liberal", maturidade de nome na identificação, cá estaremos para o balanço de posicionamento.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 18 de outubro de 2019