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António Costa anuncia redução dos salários em 2022

Em vez de promover a atualização de todos os salários, tanto no público como no privado, e de impedir as grandes empresas de lucrarem com o aumento continuado dos preços, o Governo escolheu combater a inflação com um velho truque de Direita: a deflação através da perda de poder de compra da população.

No primeiro debate parlamentar da nova legislatura, António Costa deixou bem claro quem pagará o custo da inflação em Portugal. O Governo sabe que os preços sobem por pressão de setores específicos, como os combustíveis ou os bens alimentares.

O Governo também conhece os lucros milionários que a Galp, a EDP ou a Jerónimo Martins entregaram aos acionistas já em 2022. O Governo está informado acerca das práticas de combinação de preços entre grupos da grande distribuição, sabe do aumento das margens de refinação de petróleo e das rendas excessivas que fazem com que todos paguemos a eletricidade mais cara. Apesar de tudo isto saber, a resposta de António Costa à inflação não é tabelar os preços de bens essenciais nem controlar as margens das empresas que os estão a aumentar, mas sim impor às pessoas que trabalham um corte no salário.

Por breves momentos, durante o debate, criou-se a esperança de que o Governo estivesse a preparar uma taxa sobre os lucros excessivos das grandes empresas que se aproveitam da inflação. O ministro da Economia chegou mesmo a pronunciar o nome técnico da dita, "windfall tax", mas a ideia foi esquecida pelo ministro do Ambiente logo na intervenção seguinte. O que o Governo propõe, em alternativa, são medidas tímidas, que protegem o privilégio das elétricas e as margens das petrolíferas.

Enquanto isto, os salários perderão poder de compra. Com a justificação de que a inflação é apenas "temporária", o Governo já garantiu que não atualizará salários, nem pensões, nem prestações sociais, para além do que já estava previsto (0,9% no caso dos salários da Função Pública). Acontece que a inflação prevista é de 4%, o que significa que todas as remunerações que não forem atualizadas nessa proporção terão um corte real em 2022, que acresce à perda de poder de compra acumulada durante os anos em que os salários estiveram congelados (uma década, no caso da Função Pública). O termo "temporário" é uma distração, uma vez que toda a gente compreende que, mesmo que a inflação pare de crescer, dificilmente ela regredirá. O corte nos salários não seria aceitável se fosse mesmo temporário, mas a verdade é que ele será permanente, e já castiga os rendimentos mais baixos.

Em suma, em vez de promover a atualização de todos os salários, tanto no público como no privado, e de impedir as grandes empresas de lucrarem com o aumento continuado dos preços, o Governo escolheu combater a inflação com um velho truque de Direita: a deflação através da perda de poder de compra da população.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 12 de abril de 2022

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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