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A ameaça sorridente de Marcelo

A bonomia cooperante deu lugar à ameaça sorridente: estabilidade até às autárquicas. Esta ameaça presidencial junta-se assim à chantagem das instituições europeias como facto político relevante: aperta-se o cerco à possibilidade de uma política não austeritária dentro dos limites do Tratado Orçamental, das regras do BCE e do euro. E a estabilidade a prazo transforma de uma assentada as relações do Presidente não só com o governo mas também com o país: afinal as últimas eleições presidenciais não foram apenas um concurso de popularidade, a «campanha dos afectos» escondia um programa político.

É interessante notar o vazio da ameaça. Em primeiro lugar, porque para além do «optimismo ligeiramente irritante» atribuído a António Costa e da simpatia declarada para com as reivindicações da manutenção de rendas por parte de certos colégios privados, não se conhecem até ao momento divergências significativas entre Presidente da República e governo. Em segundo lugar, porque não tem objecto propriamente dito: a estabilidade é importante apenas até às autárquicas (tese de uma ousadia retórica tremenda) mas não se compreende porquê; o governo deve evitar a instabilidade com que é ameaçado no futuro próximo mas não se saberá como.

Por outro lado, anunciar como que arbitrariamente o início do processo de desestabilização presidencial da maioria parlamentar nas autárquicas implica necessariamente uma tentativa de tornar estas eleições autárquicas numa questão não local. Marcelo pretende assim que as eleições autárquicas sejam o que não são nem deveriam ser: um plebiscito à geringonça.

Responder-lhe é não deixar-nos cair nessa armadilha. Pela nossa parte, queremos que as autárquicas sejam o que sempre foram: momento fundamental de democracia local, de luta pelos serviços públicos de proximidade, de sacudir os poderes instalados localmente, de debate de projectos de desenvolvimento sustentável, de encontro com activistas que batalham para transformar a vida à escala da aldeia, da vila, da cidade.

Responder-lhe é também dizer que à ameaça do regresso da direita e à chantagem da austeridade permanente só podem responder a pressão da mobilização popular.

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Professor.
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