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As alterações à lei laboral e a urticária de Montenegro

Luís Montenegro encontrou-se com o presidente da CIP e aproveitou para declarar que o Parlamento está a "adulterar e contrariar" os princípios do acordo de rendimentos. Este incómodo resulta das deliberações tomadas sobre plataformas digitais e direitos dos trabalhadores na cessação do contrato.

Luís Montenegro encontrou-se há dias com o presidente da CIP e representante dos patrões, António Saraiva, e aproveitou para declarar que o Parlamento, nas votações que tem feito sobre legislação laboral, está a "adulterar e contrariar" os princípios do acordo de rendimentos assinado entre Governo, UGT e patrões. Montenegro vai mais longe. Diz que acompanha “muito de perto” o assunto e considera as notícias da semana passada “ainda mais preocupantes”. Não se pode “parlamentizar estas discussões” porque isso pode pôr em causa o dito acordo, vocifera o líder do PSD. Saraiva concorda e ameaça: “As entidades patronais tomarão as medidas respetivas”.

Para além da velha visão corporativa - que atribui ao Parlamento eleito o papel de mera caixa de ressonância de medidas submetidas pelo governo a visto patronal -, de onde virá esta indignação contra uma reforma que, afinal, deixa intocados desequilíbrios fundamentais das relações de trabalho? No essencial, este incómodo resulta das deliberações tomadas sobre plataformas digitais e direitos dos trabalhadores na cessação do contrato, introduzindo normas que não constavam da proposta inicial do governo.

o Bloco abriu de facto um conflito público com os patrões a propósito dos créditos laborais, os direitos que os trabalhadores têm no fim do contrato

Num processo que parecia de cartas marcadas, o Bloco abriu de facto um conflito público com os patrões a propósito dos créditos laborais, os direitos que os trabalhadores têm no fim do contrato, hoje extorquidos através de uma declaração, imposta pelos empregadores, em que os trabalhadores dão como “extintos” quaisquer valores em falta (salários, subsídios, etc). Apresentámos uma proposta que nunca havia sido feita: proibir esta prática, chamada de “remissão abdicativa”. A medida foi aprovada (pelo Bloco, pelo PS e pelo PCP, com voto contra da direita) e suscitou a indignação do líder patronal, que logo escreveu uma carta aberta em protesto.

Depois de sucessivas cambalhotas do PS ao sabor das pressões das confederações patronais, assistiu-se no parlamento a uma manobra de última hora, pela mão do PSD e do PS, para reverter a medida do Bloco que já tinha sido aprovada. Só que essa operação foi derrotada. Confirmou-se o fim da possibilidade de extinguir créditos do trabalhador no final dos contratos e isso será lei. O seu impacto material e simbólico é evidente.

Confirmou-se o fim da possibilidade de extinguir créditos do trabalhador no final dos contratos e isso será lei

Compreende-se, portanto, a indignação da CIP. Obrigar os patrões a pagar o que hoje esbulham aos trabalhadores? Infâmia! Somem-se os pareceres tonitruantes da CIP, entregues à comissão parlamentar do trabalho, sobre a inconstitucionalidade de várias outras normas aprovadas, do outsourcing à sindicância arbitral da caducidade, e temos um retrato dessa parte do país, o poder económico, que julga poder ocupar, pela força e pela influência, o lugar da escolha democrática.

Percebe-se também o desconforto do PSD com a lei e com este momento, raro, em que o parlamento mostra que não tem de fazer-se refém da “concertação social”, conveniente manto de “paz social” que encobre mal a guerra permanente à estabilidade de quem trabalha.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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