Agora montaram a tenda, é oficial

porMaria Luísa Cabral

02 de abril 2023 - 16:04
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Não carecia, há muito tempo que as barracas se sucedem. A problemática situação da habitação, o episódio do pequeno Potemkine, o IVA sobre alguns produtos alimentares, ilustram bem o desnorte do governo, a insensibilidade e o desconhecimento.

Governar talvez seja muito complicado mas entregue nas mãos de quem não sabe da matéria torna-se dificílimo. A questão da habitação é dramática em si própria mas entregue à actual ministra torna as aparições desta confrangedoras. A primeira aparição foi dolorosa de ouvir tornando-se ainda mais incómoda quando, em debate, não conseguiu responder. Aí percebeu-se que lhe faltavam as ferramentas técnicas mas também o indispensável traquejo político. Entrou-se depois em período de consulta pública, choveram críticas de todos os lados, inquilinos, proprietários, empresários de alojamento local, autarcas, partidos, cidadãos em geral. Há quem ameace fazer queixa para as instâncias europeias, se a moda pega identificaremos sem dificuldade muitas e boas razões para irmos até Bruxelas. Os reformados, por exemplo, que viram a legislação que os protegia ser atirada pelo cano abaixo sem nenhuma explicação aceitável e ao arrepio de toda e qualquer expectativa, deveriam então estar na linha da frente dos queixosos. Não consigo compreender a inépcia para desbloquear o problema da habitação, não haverá forma de construir casas económicas com rapidez (pré-fabricadas?) que resolvam de forma expedita o terrível problema de centenas de milhares de cidadãos? A ausência de eficácia é assustadora, repete-se em cada sector que seja objecto de análise.

O episódio do pequeno Potemkine é estranhíssimo. Dizia o Almirante Gouveia e Melo que o NRP Mondego estava em condições de navegar, que a Marinha não toleraria insubordinações. Insubordinação talvez seja um termo muito forte mas que houve desobediência, parece que sim. Aqueles membros da guarnição recusaram uma ordem, nas Forças Armadas não é permitido, logo, correm o risco de ser punidos porque desobedeceram. O problema é que se veio a saber que, enquanto decorriam acaloradas declarações públicas, houve um avião da Força Aérea que levou umas peças para o Funchal para atamancar o Mondego. Pelos vistos, ficou mal atamancado porque uns dias depois fez-se ao mar e parou! Não arrancar em pleno Atlântico não é coisa pouca mas é de um ridículo gigante. No ínterim, a audição dos militares pela Polícia Judiciária Militar foi suspensa por ordem do Ministério Público. Não fosse triste, até era cómico. Vistas as coisas pesando todos estes factores, pelo menos resta a certeza de que os membros da guarnição não inventaram nada. Não foi uma inventona, não metiram, não foi um motim nem um mal entendido, afinal o que foi? “Tão ladrão é quem rouba como quem deixa roubar”, será?

Não satisfeitos com tantos sobressaltos, eis-nos chegados ao cabaz das compras, o essencial dizem. Se é ou não essencial, depende do bolso de cada um mas uma coisa é garantida, o desaparecimento do IVA não altera nada do essencial. Que muito simplesmente é que largas faixas da população portuguesa não tem o suficiente para comer. Diz quem sabe sobre os circuitos de distribuição que esta medida de acabar com o IVA sobre 44 produtos alimentares nada resolve porque os preços vão ser calculados de tal forma que os consumidores continuarão a pagar os mesmos preços (ou mais diz o Banco de Portugal referindo o custo dos brócolos). E os preços são os do supermercado ou também dos mercados? E a fiscalização intervém ou não? Podia tudo até ser maravilhoso e funcionar mas a questão de base permanece. Se um pensionista receber 250€/mês, o que é que vai comprar? Se em 170€ pode beneficiar de 10€ (IVA) a menos, expliquem-me qual é o benefício do pensionista?! Nenhum. Uma mão vazia, outra cheia de nada. Vamos continuar a encontrar pessoas no supermercado angustiadas a tirar alimentos das prateleiras que recolocam depois de verificarem os preços; vamos continuar a ver pessoas a deambular por entre os comboios de prateleiras com os cestos vazios. Este é o cenário real, não há nenhuma invenção, basta andar atento. Um país ao sul e ao sol. Aos 49 anos de Abril continuamos um país de gente a viver de subsídios, um pouquinho aqui, outra migalha ali. As pensões têm de subir (as mínimas até ao salário mínimo nacional), os salários têm de acompanhar o custo de vida. O dia-a-dia vai revela situações indignas, intoleráveis, o governo e a sua maioria fidelíssima estão à espera de quê para uma intervenção de fundo, séria a caminho do estado social cuja defesa reclamam?

Maria Luísa Cabral
Sobre o/a autor(a)

Maria Luísa Cabral

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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