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Acudam ao governo que a direita quer taxar os lucros extraordinários

Enquanto cada vez mais países e governos decidem ou estudam a introdução de um imposto sobre os lucros extraordinários e a fixação de limites às margens de lucros dos combustíveis, socialistas e liberais concordam em que tudo fique na mesma.

Calma, ainda não foi desta que Carlos Guimarães Pinto (CGP) rasgou a sacrossanta cartilha da redução dos impostos. Bem o sabemos, o alívio permitido pela “vitória liberal” da redução do ISP foi tal que logo o governo viu-se obrigado a chamar a ASAE, em busca das margens absorvidas pelas petrolíferas e gasolineiras. O próprio CEO da GALP teve a indelicadeza de arrefecer o entusiasmo liberal: “o mercado da energia está num estado de perturbação que nunca vi nos meus 35 anos de carreira. Mas sim, estamos a ganhar dinheiro e a guerra fez subir os preços”, reconheceu Andrew Brown.

Esta desagradável lição do mercado não impediu a convergência entre a direita liberal e o governo de António Costa na recusa de duas medidas fundamentais para o controlo dos preços dos combustíveis: a fixação de limites às margens de lucro e a tributação dos lucros extraordinários, realizados à boleia da guerra e da pandemia. Perante a subida galopante dos preços dos combustíveis e já depois de a Entidade Nacional para o Sector Energético ter relatado que “durante os meses críticos da pandemia, os preços médios de venda ao público desceram a um ritmo claramente inferior à descida dos preços de referência”, António Costa continuou a recusar a fixação de limites às margens de lucro. Ao decidir encarregar a ERSE por uma putativa fixação de preços, o governo desresponsabiliza-se politicamente e cria um limbo já com mais de sete meses. Até hoje, a ERSE não apresentou sequer a metodologia para a supervisão do sistema petrolífero que vai operacionalizar a lei do governo. E ninguém verá o retorno dos ganhos subtraídos aos consumidores neste período.

Ninguém toca no jackpot da pandemia e da guerra

No que diz respeito à tributação dos lucros extraordinários, ideia avançada e, no mesmo dia, engavetada pelo ministro Costa e Silva, a sintonia entre a direita e o Governo não perde o timbre. Já em maio, perante os lucros chocantes e os dividendos distribuídos pelas empresas do PSI-20, CGP tentou a sua sorte e atacou Costa e Silva no parlamento sobre a eventual tentativa de “diabolizar a iniciativa privada” impondo um mecanismo para limitar as margens de lucro. Costa e Silva logo descalçou o deputado liberal, afirmando que “a situação é difícil e a opinião pública tem de ser calma e serena, não podemos ter o hábito de andar sempre a hostilizar as empresas”.

A história ficaria por aqui, não fosse o caso da direita estar disposta a taxar os lucros extraordinários. Mas na Europa, não em Portugal.

Depois de a Comissão Europeia ter recomendado e de o governo italiano ter mesmo avançado com uma tributação temporária de 25%, o governo conservador britânico anunciou esta semana a introdução de um imposto sobre os lucros extraordinários das petrolíferas. O ministro das Finanças, Rishi Sunak, revelou no Parlamento que os lucros das empresas de petróleo e gás vão pagar 25% de imposto até que os preços da energia desçam para "níveis mais normais", prevendo recolher perto de 5 mil milhões de libras (perto de 5,9 mil milhões de euros). Os liberais-democratas, parceiros europeus (ALDE) da Iniciativa Liberal, estiveram na linha da frente deste embate, clamando pelo que chamam de Imposto Robin Hood: "enquanto as contas de energia sobem para as famílias, as empresas produtoras realizam lucros recordes. É tempo de um imposto “Robin Hood” temporário sobre os gigantescos lucros dos barões do petróleo e do gás para garantir um apoio extra para aqueles que são mais duramente afetados pela crise. Esta taxa garantiria 5 mil milhões de libras para ajudar os mais vulneráveis”, explicavam os liberais britânicos, em dezembro de 2021, ainda antes da invasão da Ucrânia e dos seus efeitos.

A medida surge alguns meses depois da BP anunciar os seus ganhos no 1º trimestre do ano, os mais elevados da última década. Os lucros subiram para 6,2 mil milhões de dólares no período de janeiro a março de 2022, bem acima dos 2,6 mil milhões registados no mesmo período do ano passado.

Enquanto cada vez mais países e governos decidem ou estudam a introdução de um imposto sobre os lucros extraordinários e a fixação de limites às margens de lucros dos combustíveis, socialistas e liberais concordam em que tudo fique na mesma.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, dirigente do Bloco de Esquerda e ativista contra a precariedade.
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