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Abre Núncio!

Paulo Núncio, Assunção Cristas e os factos falam por si.

Núncio foi escolhido para o Governo pela vasta experiência em currículo em fazer o contrário do exemplo que pedia aos portugueses. Em síntese. Mestre e criador de 120 novas sociedades na Zona Franca da Madeira, trabalhou como fiscalista para a companhia petrolífera venezuelana PDVSA que viria a fazer transferências bancárias para offshores não controladas pelo Fisco português. Esta empresa foi responsável por parte de leão dos 7,8 mil milhões de euros em fuga do BES para o Panamá enquanto Núncio era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Isto, sabendo-se que o único argumento que Núncio usou como álibi para não ter publicado os dados sobre os offshores foram as dúvidas que teria sobre os dados da Região Autónoma da Madeira na qual trabalhou durante uma década e sobre a qual elaborou parecer para a anteriormente referida companhia de petróleo que fugiu ao controlo do Fisco e com a qual trabalhara. Confusos? Assunção Cristas explica: "o país deve-lhe muito no combate à fraude e evasão fiscal". Pelo que temo muito em saber, daqui a uns tempos, quanto o país deverá a Cristas.

Os factos são assustadores, adensam as dúvidas mas vão erguendo certezas. A tentativa da líder do CDS-PP em afastar a responsabilidade política do seu companheiro de partido é tão inapta politicamente como o ziguezaguear serpentino de Paulo Núncio. Cristas pode dourar a pílula fiscal no paraíso, apelidando-a como casuística, entre a dimensão profissional e a governativa. Mas a questão é clara. Nunca e em momento algum se pode permitir que a opção pelo ridículo seja a escolha óbvia na política. Eleger para o elenco governativo alguém que exige a (quase) todos um comportamento inverso àquele que sempre teve no seu passado profissional - ao qual previsivelmente voltará após cessar funções - é a configuração da porta giratória no seu máximo esplendor. A aproximação ao grotesco dá-se quando se percebe que nem a vasta experiência em fazer dos offshores um paraíso para os seus clientes, muniu Núncio da competência para fazer o que tinha que ser feito, afastando-se da incompatibilidade e da dimensão moral do escândalo. A responsabilidade política é evidente ou não tivesse renunciado aos cargos partidários que exercia. Núncio tinha razões acrescidas para tudo saber e nada fez.

Abre Núncio, convoca a ideia de fuga mas antes soletra a verdade. Abrir, desaparecer, pôr-se de fora. Ou abrenúncio, interjeição indignada, como praga ou esconjuro. Enquanto a Direita que derrapa nas sondagens continua a querer fazer um país sem uma ideia, os contribuintes podem ter que vir a suportar nova factura de 8,3 milhões com o banco de Miguel Relvas. Julgo que todos percebemos que chegou o momento em que a Direita portuguesa tem de pagar o preço pelo comportamento dos seus maus rapazes.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 15 de março de 2017

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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