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8 de Março: “Vivas, Livres e Unidas”

Neto de Moura infelizmente parece não perceber que o facto de não estar sujeito a ordens ou instruções não o isenta de julgar de acordo com a Constituição e a lei do país.

Março é o mês em que celebramos as conquistas das mulheres, continuamos a luta feminista e reforçamos laços que nos unem na construção de um mundo melhor. Depois de muitos avanços não podemos deixar de assinalar o retrocesso das políticas de género em vários países, o surgimento de novas estratégias de ataque aos direitos das mulheres e um discurso difuso contra os feminismos.

Para além dos ataques aos direitos das mulheres observamos diversos retrocessos políticos e sociais que se materializam na eleição de diversos governos de direita conservadores, no abandono das pessoas migrantes nas águas do Mediterrâneo e no fecho das fronteiras da Europa, em ataques a vários ativistas e a manifestantes que lutam em defesa do planeta, pelo acesso à informação, que exigem o acesso a direitos sexuais e reprodutivos e defendem os direitos humanos.

Sendo certo que os desafios são grandes, a construção de uma resposta coletiva avança a bom ritmo. Se estamos a poucos dias da Greve Feminista deste ano, há que realçar que o processo começou ainda em 2018 e que já permitiu a dinamização de diversos espaços e momentos que contribuíram para mobilizações rápidas em resposta às violências diversas que fizeram aumentar a indignação, o descontentamento e a capacidade de muitas pessoas exigirem mais e melhor para todas nós.

No Manifesto, aberto à subscrição de todas as pessoas, procura-se argumentar e dar visibilidade a muitas das razões que diariamente animam ativistas na luta feminista: a luta contra a desigualdade no trabalho assalariado, a luta contra a desigualdade no trabalho reprodutivo, a luta pelo fim da reprodução das desigualdades e do preconceito nas escolas, a desconstrução de estereótipos e defesa de um consumo responsável e sustentável, o fim da destruição ambiental e da perseguição às pessoas migrantes entre tantas outras razões para fazer greve e marchar.

A violência contra as mulheres, a incapacidade de se prevenir essa violência e a negação de justiça para as vítimas tem sem dúvida um papel preponderante na mobilização de todas as pessoas neste movimento de luta feminista que tem origem também na organização da Marcha pelo Fim das Violências contra as Mulheres e que abrange grande parte do território nacional.

Em Fevereiro, o movimento divulgou um comunicado onde apelava ao fim do silêncio para com os femicídios e denunciava o assassinato de dez mulheres desde o início do ano às mãos da violência machista. Violência que é ignorada e mesmo negada por alguns elementos da magistratura que, ao arrepio das convenções internacionais assinadas pelo Estado Português e da nossa Constituição, e no exercício das suas funções procuram manter estereótipos que oprimem as mulheres e tentam naturalizar e despenalizar a violência em relações de intimidade, o que é uma demonstração de misoginia e também um claro desrespeito pela lei e pela sociedade que aceitam servir ao ingressar na magistratura.

O Conselho Superior da Magistratura decidiu aplicar uma sanção de advertência registada ao juiz do Tribunal da Relação do Porto, Neto de Moura, porque consideraram que: “As expressões proferidas pelo juiz desembargador arguido, nos acórdãos que relatou, em especial no processo n.º 388/2014.6GAVLC.P1, ao referir-se à ofendida, enquanto ‘mulher adúltera’, como ‘dissimulada’, ‘falsa’, ‘hipócrita’ e ‘desleal’ são ofensivas, desrespeitosas e atentatórias dos princípios constitucionais e supraconstitucionais da dignidade e da igualdade humanas".

O juiz Neto de Moura recorreu desta decisão e continua a ser autor de acórdãos contrários ao progresso legislativo que teve início com a Constituição Portuguesa na medida em que negam noções básicas de género e de violência contra as mulheres que foram clarificados pela Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres da qual Portugal é o primeiro país signatário.

Numa entrevista, José Albino Caetano Duarte, juiz desembargador jubilado, disse que o juiz Neto de Moura não pode continuar a julgar casos de violência doméstica e criticou também a posição de Manuel Soares, presidente da Associação de Juízes: “Numa altura em que os juízes não estão numa boa posição perante a sociedade, numa altura em que a justiça não responde com a celeridade necessária àquilo que lhe é solicitado, de facto é muito mau que se crie esta imagem dos juízes. Mas há muitos outros juízes que não pensam assim e que não atuam assim.”

Entretanto o juiz Neto Moura anunciou a decisão de processar diversas pessoas pelas criticas que têm sido feitas aos seus acórdãos. Nada que possa ter sido dito acerca dos seus acórdãos deve ser tão humilhante ou ofensivo como os atributos com que caraterizou as vítimas de violência doméstica e que lhe valeram uma advertência.

Rui do Carmo, coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica que tem por missão e objetivos a análise retrospetiva das situações de homicídio ocorrido em contexto de violência doméstica disse numa entrevista que: “A justiça é, diz a Constituição, administrada em nome do povo. Isto significa que o povo tem não só direito a assistir aos julgamentos mas também a pôr em causa e a avaliar as decisões judiciais. Este escrutínio público da justiça é muitíssimo importante.”

Claramente Neto de Moura não pensa da mesma maneira e infelizmente parece não perceber que o facto de não estar sujeito a ordens ou instruções não o isenta de julgar de acordo com a Constituição e a lei do país. Se não está de acordo com a lei pode, enquanto cidadão, lutar de acordo com a sua ideologia pelas mudanças legislativas que quiser. Enquanto juiz é lhe exigida isenção e respeito pela lei. E exigência não é desrespeito ao contrário da sua visão misógina que partilha nos seus acórdãos.

Mas estamos em Março, vamos celebrar as conquistas das mulheres, continuar a luta feminista e reforçar os laços que nos unem na construção de um mundo melhor. Vamos para a rua e vamos dar força ao movimento de greve até “Porque juntas somos mais fortes e porque as nossas vidas valem mais do que os preconceitos de juízes machistas.”1*


Notas:

1 Citação do comunicado “Tolerância zero com a justiça dos netos de moura!” disponível em https://www.facebook.com/notes/rede-8-de-mar%C3%A7o/toler%C3%A2ncia-zero-com-a-justi%C3%A7a-dos-netos-de-moura/1200407790110073/


* “Vivas, Livres e Unidas”, título de manifesto disponível em https://www.facebook.com/notes/rede-8-de-mar%C3%A7o/manifesto-vivas-livres-e-unidas/1196463040504548/

 

 

Sobre o/a autor(a)

Licenciada em Relações Internacionais. Ativista social. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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