Que vazio! Não há novo outdoor do PS, Costa quer os refugiados a limpar florestas, Passos foge tanto quanto pode da campanha, Paulo Portas fala dos outros e de um país a "bombar", a coligação tem hino e uniforme (blazer azul de botões dourados à Pontal) e Cavaco Silva calou-se no recato da "casinha" da Coelha. Não apareceram mais candidatos à presidência, aliás, até desistiu um. A nudez e as pizas viraram assunto do falatório nacional. Aproveito, então, o "intervalo" para me focar na política.
Começo pelas posições de Cavaco que deixam os constitucionalistas boquiabertos. Não me recordo de uma intervenção tão direta e explícita de qualquer outro presidente em anteriores eleições. Cavaco faz campanha aberta por uma maioria absoluta, mas uma maioria do PSD-CDS.
Não podia ser outra a maioria desejada por Cavaco. Em 2011, acabado de ser reeleito, deu o empurrão que faltava à direita para regressar ao governo. Durante a governação, actuou como seguro de vida do governo, sustentando o insustentável. Sem Cavaco, a coligação não teria concluído o seu mandato. E, agora, em 2015, estando de saída, faz o que pode - mas não devia - para manter a coligação no poder.
Na reclamação de uma maioria absoluta, Cavaco tem consigo Passos Coelho e Paulo Portas. Mas também António Costa entra no coro. Todos eles querem governar, mas na base do "quero, posso e mando". Da direita não se esperaria outra coisa, mas a António Costa exige-se outra cultura.
Gastam todos os adjetivos para fugir à palavra "absoluta". Cautela justificada: todos eles sabem - e todos nós também - que nas próximas eleições para o Parlamento não vai haver qualquer maioria absoluta.
As contas mostram que nem a coligação nem o PS chegam à maioria absoluta. A coligação, sendo do PSD e do CDS-PP, não pode crescer mais à direita, a crescer é ao centro. O PS, com um programa e uma campanha tão virados para o centro, não desloca o voto dos eleitores à sua esquerda. Para crescer, o PS vira-se para o centro, disputando com a coligação o mesmo eleitorado do centro, aquele cuja deslocação dá tradicionalmente a vitória ora a um ora a outro. Sucede que, nestas eleições, essa disputa está muito equilibrada e repartida, nem o PS nem a coligação conseguem ir ao centro buscar os votos de que precisam para a maioria absoluta.
Também não vão crescer à custa dos abstencionistas porque a principal razão que levou estes eleitores a deixarem de votar foi, precisamente, a descrença acumulada nos governos do PS e da direita. Nesta campanha, quer a glorificação pela coligação da sua "obra" quer a recusa do PS em romper com o seu passado acentuam as tendências abstencionistas.
No dia 4 de Outubro não haverá qualquer maioria absoluta. Cavaco, a coligação e o PS bem o sabem. E só continuam a falar dela porque o apelo à maioria absoluta é o que melhor dá substância ao discurso do voto útil cujo único objetivo é reduzir as opções de voto à coligação e ao PS, como se outras não existissem.
Não. A 4 de Outubro não há apenas duas, mas sim três grandes opções de voto: à direita, o voto na coligação; ao centro, o voto no PS e nos partidos que o podem vir a apoiar; e, à esquerda, o voto nos partidos situados à esquerda do PS.
Para muitos eleitores não é assim tão claro que o voto no PS não seja um voto de esquerda. O voto no PS não é de esquerda porque o PS quando governa não tem políticas de esquerda. O PS é de esquerda na véspera das eleições. Depois sofre um apagão. Foi assim com Soares, Guterres e Sócrates, gerando uma onda de desilusão e arrependimento no eleitorado socialista que vê o seu voto "útil" tornado inútil e desperdiçado às mãos do PS.
Afirmo com clareza: o voto no PS é distinto do voto na coligação de direita. Mas partilham demasiadas posições estruturantes - sobre a dívida, sobre os mercados, sobre os direitos laborais, sobre o euro, sobre a união europeia, por exemplo - que estão nos antípodas de uma política de esquerda. Pode um eleitor de esquerda ignorar estes grandes consensos entre o PS e a direita e arriscar ver o seu voto mais uma vez desvirtuado por um futuro governo PS?
O programa eleitoral de António Costa é frustrante para a esquerda. Anuncia uma atitude frouxa com quem precisamos de ser mais consequentes: os credores, os mercados, os grupos financeiros, o patronato, a Comissão Europeia. Este posicionamento de António Costa, o seu "centro", desloca o PS no sentido da direita, faz regressar o PS ao "mais do mesmo" das políticas centristas de sempre, quando a expectativa e a necessidade reclamam exactamente o contrário: um PS a aproximarse da esquerda e disposto aos confrontos mais difíceis e às roturas indispensáveis.
António Costa não quer nada com a esquerda. Aliás, é particularmente significativa desta recusa a sua resposta ao plano B de Cavaco (governo de bloco central ou acordo parlamentar) perante uma vitória sem maioria absoluta, que é o resultado mais certo: "A pior coisa que podia acontecer era o PS ganhar as eleições e ficar dependente do PSD e do CDS." António Costa nem imagina como parceiros os partidos à sua esquerda. Nem mesmo na improvável hipótese por ele admitida de os marcianos descerem à Terra...
Para derrotar a direita e gerar uma dinâmica favorável a um governo de esquerda que fure as lógicas da maioria absoluta, do bloco central ou dos acordos do PS com a direita, o fator decisivo é o crescimento do voto à esquerda do PS, em concreto, a dimensão eleitoral do conjunto PCP e Bloco de Esquerda. Nenhum outro resultado nos aproxima mais de uma viragem à esquerda porque nenhum outro contribui mais e melhor para mudar a favor da esquerda a relação de forças com o PS. Nestas eleições, a disputa da esquerda faz-se com o PS e não entre si. Aliás, esse é um dos equívocos do Livre/TdA.
Ninguém estranhará que o meu voto seja no Bloco de Esquerda. Mas, apesar de não ser estranho, gostaria de adiantar mais um argumento: na comparação, o Bloco fará melhor uso dele na procura de uma saída de esquerda para o governo e a política do país.
Artigo publicado em 10 de setembro no “Diário de Notícias”