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Farsa de Bruxelas mata ideia de solidariedade entre países europeus

O que teve lugar na madrugada de segunda-feira em Bruxelas foi o episódio culminante da grande mentira em que se tornou a resposta europeia à crise.

A União Europeia emprestou dinheiro que sabe que a Grécia não pode pagar, o Governo Grego assinou um acordo que sabe ser impossível de cumprir. Na verdade não houve acordo nenhum, mas a imposição brutal das decisões do eixo alemão e a humilhação punitiva da Grécia e do seu povo.

A farsa que teve lugar em Bruxelas mata a ideia da solidariedade entre os países europeus e, de uma assentada, atira a democracia e a soberania popular na Grécia para uma edição especial do canal memória.

A presença em Atenas de uma missão permanente da missão da Comissão Europeia, que vigiará o orçamento, as privatizações e o enésimo plano de despedimentos e austeridade, significa que a Europa deixou de ser, decididamente, uma união entre estados soberanos e iguais nos seus direitos e deveres.

Quando o ministro das finanças alemão se permite a afronta de perorar sobre qual será a melhor data para as eleições gregas, percebemos que a obsessão com a austeridade não representa apenas o suicídio económico e a aniquilação do emprego da Europa, mas o caldo político onde grassa o autoritarismo mais gratuito que se arrisca a soltar fantasmas de péssima memória no continente.

Pouco importa que, com a trajetória da economia grega, a imprensa internacional já calcula que em 2020 a Grécia vai continuar a dever os mesmos 160 por cento que hoje deve, bem longe dos 120 por cento anunciados pelos clones de Merkel que se sentaram em Bruxelas.

É esse o problema que enfrenta Portugal. A austeridade brutal que arruinou a economia grega, atirando o país para o abraço de urso da chantagem alemã e da hipoteca da democracia durante mais de uma década, é a mesma que, se nada for feito, vai atirar Portugal pelo mesmo caminho.

Basta ver os números. Em 2011, fomos o país cuja dívida mais aumentou: 18 pontos percentuais. É este o resultado do memorando assinado com a troika. Portugal é o país da OCDE, em conjunto com a Espanha, onde o desemprego mais aumenta, e já temos mais de um milhão de cidadãos sem emprego.

Se tudo o mais ficasse constante e a recessão não tornasse mais complicado o controlo das contas públicas, só o impacto da recessão acumulada em 2011 e 2012 significa um agravamento de 3 pontos no nosso endividamento.

Mais pobres, sem emprego e muito mais endividados. E tudo isto, para no fim do plano, devermos mais 40 mil milhões de euros. É este o resultado da política de um Governo que, perante as críticas a este absurdo sem sentido, ainda tem o topete de nos chamar piegas.

Um em cada sete portugueses não encontra trabalho; um em cada três jovens está desempregado; 1000 pessoas perderam o emprego a cada dia que passou nos últimos três meses do ano passado; os impostos aumentam mas a receita fiscal afunda-se. É este o retrato de uma economia parada e aonde alguns setores económicos, como é o caso do ramo automóvel ou da construção civil, já se encontram à beira da implosão.

É este o resultado da obsessão com a austeridade. Mas, imune a todos os dados e à realidade do país, diz-nos o Governo que em 2013 é que vai ser. Há 36 dias que o ministro das Finanças viu o “ponto de viragem” na nossa economia. É caso para dizer, parafraseando Vítor Gaspar, que entre “ponto” e “viragem” há outras palavras que não foram citadas pelo ministro e elas são desemprego, recessão e endividamento crescente causado pela austeridade.

O Governo reage como aquela pessoa que vê um clarão e, julgando ter encontrado finalmente a luz ao fundo do túnel, desata a correr sem se aperceber que está a caminhar em direção ao comboio.

O veneno, servido às colheres ou bebido pelo frasco tem o mesmo resultado. A questão que temos pela frente não é se a austeridade mitigada e aos bocados resolve os problemas do país, mas como nos libertamos desta espiral de austeridade, que gera mais recessão e menos emprego, acabando sempre por aumentar o endividamento e o empobrecimento do país.

Não há alternativa que não seja recusar a política da troika, renegociando a dívida, os seus montantes e prazos. Uma economia sem financiamento é uma economia moribunda. Em vez de encher os cofres dos bancos privados, que já tornaram claro que não vão investir na economia e no apoio às empresas, o Governo devia refinanciar o Caixa Geral de Depósitos e orientar a sua atividade para dinamizar a economia e o crescimento económico.

Declaração política do Bloco de Esquerda, na Assembleia da República a 22 de fevereiro de 2012

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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