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Governo tem fobia à liberdade de imprensa

O fim da crónica de Pedro Rosa Mendes na Antena Um e a edição especial feita à medida do ministro Miguel Relvas revela sérios indícios de que estamos perante um caso de censura politicamente orientada.

Poucos dias depois de ter assinado uma crónica onde critica a habitual subserviência do poder político português perante o regime que há décadas governa Angola, Pedro Rosa Mendes viu terminado o seu espaço de opinião na rádio pública. Na audição que concedeu à Entidade Reguladora da Comunicação Social, e ontem em Bruxelas, o jornalista garantiu que a direção da rádio pública lhe comunicou o desagrado com a crónica e que foi essa a razão para o fim do seu espaço de opinião.

Na crónica em causa, Rosa Mendes, que é um dos jornalistas portugueses que mais escreveu sobre a corrupção em Angola, criticou a emissão do programa televisivo “Prós e Contras” da RTP feita em direto a partir de Angola, com a participação do ministro que tutela a comunicação social, Miguel Relvas.

O jornalista considera que a RTP “serviu aos portugueses” uma emissão especial em direto de Luanda e à qual chamou “Reencontro” e “na qual desfilaram, durante duas horas, responsáveis políticos, empresários, comentadores de Portugal e de Angola, entre alguns palhaços ricos e figuras grotescas do folclore local”.

Refere Rosa Mendes que, “o serviço público de televisão tem estômago para muito, alguns dirão que tem estômago para tudo, mas o reencontro a que assistimos desta vez foi um dos mais nauseantes e grosseiros exercícios de propaganda e mistificação a que alguma vez assisti”.

Se a crónica de Pedro Rosa Mendes peca por alguma razão, diga-se, é pela moderação com que denuncia a indignidade do programa em causa. O mesmo Governo que nunca perde uma oportunidade para cortar despesas no canal público, chegando ao ponto impensável de terminar o contrato com o serviço europeu de notícias ou a cortar as horas de emissão dos canais regionais, não hesita em estoirar os dinheiros públicos numa recreação parola da faustosa embaixada em que o rei D. Manuel ofereceu um elefante branco ao Papa Leão X.

A mais que notória coincidência temporal entre o fim da crónica de Pedro Rosa Mendes e a edição especial feita à medida do ministro Miguel Relvas, mais a mais depois deste jornalista já ter visto terminados os seus contratos com o Instituto Camões e a agência Lusa depois do PSD e CDS estarem no poder, revela sérios indícios de que estamos perante um caso de censura politicamente orientada.

A propósito da relação entre os órgãos de comunicação social públicos e o poder político, não nos podemos esquecer as recentes afirmações de João Duque, nomeado pelo ministro Miguel Relvas para liderar o grupo que elaborou o Relatório para a definição do Serviço Público.

E não nos podemos esquecer, porque o nome escolhido pelo Governo tornou bem clara a sua peculiar visão do que é a informação num regime democrático. Diz João Duque que a informação veiculada pelo canal internacional deve ser “filtrada” e “trabalhada” para passar a mensagem de promoção do país.

Um tratamento da informação que, acrescentou, “não deve ser questionado”, “a bem da Nação”. Repara-se que estas declarações de João Duque foram proferidas em 2011 e não, como poderá parecer a espíritos menos atentos, no dia 24 de Abril de 1974.

Miguel Relvas escolheu para liderar o grupo de trabalho sobre a informação pública um confesso seguidor dos padrões informativos da Coreia do Norte ou do Egito de Mubarak, e, quando alguém critica no canal público a emissão especial em Angola do ministro dos assuntos parlamentares, é despedido. Isto nem é o caso de não haver fumo sem fogo, é uma fogueira a céu aberto que queima quem se aproxima.

Este episódio é tanto mais preocupante quando se percebe que o que está na base desta abrupta decisão é a reverência para com o poder angolano. O que os portugueses puderam ver, em horário nobre, foi um governo que vai de mão estendida a Angola demonstrar que tudo tem um preço e que está disposto a tudo para o vender a quem quer que seja.

Vale a pena recordar que tudo isto se passa quando se conhece o interesse de capitais angolanos, o eufemismo habitualmente utilizado para referir os interesses da família Eduardo dos Santos, estão à beira de comprar o seu segundo jornal em Portugal e são potenciais interessados na privatização da RTP.

Para quem tinha dúvidas sobre a importância de um serviço público de informação, desgovernamentalizado e plural, a ideia do principal canal de televisão ficar nas mãos de quem vê o jornalismo como um espaço de anúncio das medidas anunciadas pelo Governo, é razão suficiente para nos batermos pela defesa de uma RTP.

Termino citando Pedro Rosa Mendes. Também eu “duvido muito que quem vive de espinha dobrada em tempo de paz, em tempo feliz como é – já nos esquecemos – o tempo democrático, seja capaz de endireitar a espinha em tempos difíceis”. É o partido que andou anos a agitar a bandeira da “claustrofobia democrática”, que, chegado ao Governo, não hesita em colocar em causa, a pretexto da crise, a pluralidade e isenção do jornalismo. O PSD no Governo, agora com o CDS a reboque, tem fobia à liberdade de imprensa.

Declaração política na Assembleia da República em 2 de fevereiro de 2012

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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