2024 confirmou que vivemos uma situação defensiva da política nacional e internacional. Defensiva significa que os inimigos dos trabalhadores e dos povos estão ao ataque. Genocídio na Palestina, escalada militar global – cortar no Estado social para investir em armamentos, manda o chefe da NATO –, 50 fascistas no Parlamento cá no burgo, o chefe deles todos de regresso à Casa Branca, despedimentos em massa no coração alemão da classe operária europeia, trabalhadores imigrantes alvo da perseguição policial e política do Governo. O vetor da luta política, cá dentro e lá fora, é a cavalgada do novo fascismo rumo ao poder, de onde se prepara para desatar a guerra social e militar num nível superior – esta não é uma inevitabilidade, mas uma forte tendência. Por isso, este é um panorama defensivo; pelo que a primeira tarefa da esquerda é a resistência.
São as liberdades democráticas, conquistadas a ferro e fogo pela mobilização popular ao longo de décadas de luta, que estão em jogo. A tentativa de suprimir a esquerda, os sindicatos e os direitos sociais; o revanchismo contra as mulheres, a invisibilização das LGBT, a desumanização das pessoas racializadas; a tendência ao Estado policial, ao autoritarismo e aos golpes de Estado; a guerra sem fim; é disto que falamos quando falamos de neofascismo. Uma parte cada vez maior das classes capitalistas aposta neste projeto: acabar de vez com o Estado social, rebaixar os salários ao mínimo, esmagar qualquer luta por direitos, para competir com inimigos e aliados, à escala global, no terreno económico e militar. Exploração, catástrofe ecológica e guerra sem limites, capitalismo em Estado puro.
Uma parte cada vez maior das classes capitalistas aposta neste projeto: acabar de vez com o Estado social, rebaixar os salários ao mínimo, esmagar qualquer luta por direitos
Por isso, a defesa da democracia e das liberdades só pode ser conseguida pela classe trabalhadora, as lutas sociais e a esquerda. Os “democratas” liberais e centristas, sociais-liberais e afins, serão sempre aliados tíbios, que irão roer a corda da democracia que apregoam, porque a luta consequente colocá-los-ia contra os seus amos, os “Donos disto tudo”. Simetricamente, as maiorias sociais, os mais explorados, pobres e esquecidos, não se mobilizarão para defender uma democracia desnata, sem salário, casa, saúde e educação, em que o bastão da polícia é o rosto do “Estado de direito” e a guerra infinita a defesa do “nosso modo de vida”. Pelo contrário, apresentada dessa forma, a democracia nada diz ao povo, que se politizará, em grande medida, contra ela – não foi esse o sucesso de Trump? A democracia defende-se com choque social, exigência de uma vida melhor para a maioria trabalhadora. Os seus arautos não podem ser os senhores engravatados de sempre, que geriram o pântano e lhe chamaram normalidade. Alargar para estes lados a frente democrática e “republicana” é, na verdade, afunilar. Não há aí respiração democrática, apenas sufoco. Arrastar os “democratas” do sistema, obrigá-los a lutar contra o perigo fascista, é necessário. Ser por eles arrastado, hipotecando a construção de um bloco social da esquerda e dos trabalhadores, é o caminho para o desastre.
O eixo estratégico da esquerda neste momento defensivo é, assim, construir alianças: unidade para lutar. É preciso mudar o chip, divididos seremos derrotados. Há, contudo, diferentes tipos de convergências. Umas são táticas – pontuais e marcadas pela flexibilidade –, outras são estratégicas, pois definem o campo da resistência social e as possibilidades de contra-ataque. É pela estratégia que devemos começar, pois ela define as tarefas centrais. Alianças duradouras que impedem o contra-ataque boicotam a própria resistência. Por isso, a Frente Única da esquerda e dos trabalhadores, – a aliança das forças políticas, sociais e sindicais que representam as classes trabalhadoras – emerge como a orientação que permite lutar para vencer. É a partir dela que alianças conjunturais, táticas, podem ser tecidas, desde que não contra ela.
Não sabemos o tempo que demorará a atual fase defensiva a ser superada. Se dará lugar a um recuo maior – a um longo Inverno contrarrevolucionário – ou se será superada por um impulso ascendente das classes trabalhadoras, não está ainda decidido – é, na verdade, esse o terreno da disputa hoje. Sabemos, sim, que vivemos uma aceleração dos tempos políticos. Uma fase defensiva não significa passar uma década entrincheirados contra o fascismo; antes devemos esperar sucessivos avanços e recuos, mudanças bruscas, uma sucessão de conjunturas específicas que implicam mudanças na política – ainda que sob um signo geral defensivo e uma orientação global de Frente Única. Que não nos enganemos: os tempos são de dura ofensiva do capital e resistência das esquerdas. Contudo, que não percamos o norte: resistimos para passar ao ataque, atacaremos para vencer. Sem lutar para virar o jogo, não daremos um passo em frente.
Se essa viragem chegará já em 2025? Não sabemos. É improvável. Ela, contudo, prepara-se já. Não há um minuto a perder.
