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100 anos da Greve Geral de 1912

A greve geral de 1912 marcou o ponto culminante da agitação social que se seguiu à proclamação de República, em 5 de outubro de 1910.

Em 28 de janeiro de 1912 proclamava-se a greve geral em solidariedade com os rurais alentejanos vítimas de dura repressão em Évora.

“Pode dizer-se que Lisboa, durante os dias 29 e 30 de janeiro, esteve nas mãos da classe operária, quase inteiramente paralisada”, refere Alexandre Vieira, destacado dirigente sindicalista.

O governo suspende as garantias e forças militares e policiais cercam, na madrugada de dia 31, a Casa Sindical situada na rua do Século no Bairro Alto.

Sob a ameaça das armas (incluindo artilharia) perto das 4 horas da madrugada, da Casa Sindical cerca de 700 pessoas começaram a sair para a rua debaixo de chuva. Metidos entre soldados da guarda republicana, em sucessivas levas e cantando A Internacional, são levados sob prisão para o Arsenal da Marinha. Dali foram embarcados para o navio Pero de Alenquer e para a fragata D. Fernando, prisões ancoradas no meio do Tejo.

Logo nos momentos posteriores à revolução, ainda em 1910, eclodiram inúmeras greves. Esses conflitos demonstraram que o operariado e o movimento sindicalista não se dispunham a esquecer as penosas condições de vida dos sectores mais desfavorecidos da população portuguesa. Entendiam a República como o seu regime. Tinham-se batido por ele durante a Monarquia, fazendo causa comum com o movimento republicano. Era agora a hora de satisfazer as elementares exigências de um operariado industrial e assalariado agrícola, desde sempre excluído das preocupações dos governantes.

Todavia, não era essa a opção da grande maioria dos dirigentes republicanos que assumiram o poder após o 5 de outubro. A sua intenção não era realizar ou dar cobertura a uma revolução de caráter social, mas apenas a uma mudança nos órgãos e no regime político.

Logo após o 5 de outubro, mesmo nos dias e meses posteriores à revolução, um movimento grevista eclode especialmente na zona de Lisboa e Setúbal. Os carroceiros a 24 de Outubro, os ferroviários a 5 e a Carris a 15 de Novembro, são alguns exemplos de um vasto movimento social. A contestação aos termos em que o Governo Provisório legaliza o direito à greve, apelidado pelos sindicalistas de "Decreto-Burla", em Dezembro de 1910, é outro momento de fricção entre o operariado e o novo regime.

O operariado encara a proclamação da República como o momento ideal para conseguir a satisfação das suas aspirações de liberdade e igualdade, de melhoria de um quotidiano de privações e miséria. A República era o seu regime, proclamado graças ao seu sangue, já que tinham sido os civis (Carbonários ou outros) a aguentar firme em 4 e 5 de outubro nas ruas de Lisboa, quando os chefes militares ou os dirigentes do Partido Republicano partiam em debandada, julgando a revolução perdida.

Em 1911, a conflitualidade social vai acentuar-se, estendendo-se a muitas classes e ultrapassando o âmbito geográfico do eixo Lisboa - Setúbal. Alguns conflitos foram particularmente importantes como a greve da CUF em Março, opondo os trabalhadores ao industrial Alfredo da Silva, chefe de fila do patronato que não aceita os princípios democráticos inerentes ao regime republicano.

Porém, a história social desse ano foi marcada pela greve das conserveiras de Setúbal e pela morte de dois operários pelas balas da recém – formada guarda republicana em 13 de março. Os "fuzilamentos de Setúbal" ou "assassinatos de Setúbal", como então ficaram conhecidos por todo o país, ocupando as primeiras páginas dos jornais, indignaram quem considerava a República também como o seu regime. O caso motivou, de imediato, a marcação de uma paralisação geral de trabalho, convocada pela Comissão Executiva do Congresso Sindicalista. Pela primeira vez, em Portugal, se falou em Greve Geral.

Em 1911 eclodiram igualmente greves rurais no Alentejo que vão ter estreita ligação com os acontecimentos que vão levar à Greve Geral de 1912. A greve de Junho de 1911, com especial incidência em Évora, mas abrangendo inúmeros concelhos alentejanos e ribatejanos, terminou com uma vitória dos assalariados rurais em matérias como salários e horários de trabalho.

O resultado desta greve estará presente nas questões que levarão às greves rurais de Janeiro de 1912, diretamente ligadas ao eclodir da Greve Geral no fim desses mês, motivada pela solidariedade com os trabalhadores rurais alentejanos.

Este conflito marcará o momento de maior tensão entre o operariado e o regime republicano, no período anterior à Grande Guerra. Depois das mortes de Setúbal de 1911, constituirá um momento de rotura quase definitivo, entre o operariado organizado pelo movimento sindicalista e a República.

Como Afonso Costa reconheceu em 1929, numa carta a Teixeira Gomes, com um conhecimento proporcionado pelo exílio e pela derrota, o estado de guerra com as classes trabalhadoras, deu um contributo decisivo para tornar a República incapaz de resistir aos seus opositores e impedir a sua queda. (Posição que deveria merecer reflexão atenta na atual encruzilhada desta 2ª República).

Hoje, no momento em que a ideologia dominante imposta pela oligarquia económica e financeira, defende o regresso dos valores do capitalismo do século XIX, temos o dever de assumir e divulgar as memórias das lutas operárias e sindicais do século XX que consagraram avanços sociais, marcos de civilização da nossa sociedade de que não estamos dispostos a abdicar.

É bom proclamar bem alto que o século XX existiu…

Sobre o/a autor(a)

Professor e historiador.
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